- Gênero: Drama
- Direção: Daniel Filho
- Roteiro: Lusa Silvestre
- Elenco: Lázaro Ramos, Thalita Carauta, Cláudia Abreu, Mayana Neiva, Otávio Muller, Pedro Nercessian, Bruno Gissoni, Peter Brandão, Raquel Fabbri, Theresa Amayo, Késia Estácio; Participação especial: Guilherme Fontes, Anselmo Vasconcellos
- Duração: 96 minutos
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Uma das constatações que mais rápido chegam ao público que confere a adaptação do romance de Luiz Alfredo Garcia Roza dirigida pelo veterano diretor Daniel Filho, O Silêncio da Chuva, é como se trata de um olhar mais empático ao feminino. Vindo de uma outra obra revisionista, a nova versão de Boca de Ouro de Nelson Rodrigues, Filho ancora sua produção longe do universo machista amplamente associado ao célebre dramaturgo. Em sua nova produção, toda a movimentação narrativa se desenrola a partir de ações afirmativas femininas, que tomam as rédeas do jogo cênico sem que isso transpareça falso ou gratuito; não se trata de uma obra pretensiosa, sua incursão prima por um olhar palpável.
Com roteiro assinado por Lusa Silvestre (de Estômago e O Roubo da Taça), a obra consegue concentrar seus esforços narrativos em um espaço temporal indefinido mas marcado pela tensão constante, muito bem-vindo para o desenvolvimento do thriller policial enquanto gênero. Além de desenvolver sua ação de eventos com a destreza possível para sua finalidade, a escrita também conta com uma moldura de desenho de personagens bem cuidada. Ainda que não seja irrestrito a todos os tipos, com ao menos dois tendo sua importância comprometida, o filme teria essa tradicional dificuldade ao concentrar toda a obra em pouco mais de hora e meia.
O que escorrega no longa são decisões estéticas pouco criativas aqui e ali, ou melhor, que atrapalham um pouco na fruição do que é narrado. Na cena da interrogação de Beatriz, os policiais chegam à sua casa e ficam impressionados com sua grandiosidade, e isso não é traduzido em plano; o comentário sai da boca de Daia e não o relacionamos, como espectadores, a uma imagem. Já outras sequências mais complexas, como a da perseguição em uma comunidade, consegue o oposto, sem traduzir a tradicional fuga por becos e vielas como algo de fácil domínio; pelo contrário, os personagens praticamente só caem e erram seus propósitos. Há uma busca pela verossimilhança muito perceptível quando o filme precisa do aparato humano, e que não é seguido pelo técnico – os efeitos da chuva no início não são tão eficazes quanto necessitaria, e o acidente que os personagens sofrem também soa artificial demais.
Existe uma dualidade na realização, que aproxima o filme do coloquial e humano quando ele se dedica à construção de cada um de seus tipos, que tem lados e são múltiplos, com camadas e sinuosidades. Tecnicamente o filme não tem o mesmo apreço em sua unidade, ainda que tenha de verdade momentos de grande eficiência. Trata-se de um diretor experiente com longa folha corrida em material da cultura pop (Se eu Fosse Você e A Dona da História), mas que também experimenta incursões mais artísticas, melhor (Tempos de Paz) ou pior (Primo Basílio) sucedidas. Aqui o caminho é acidentado, mas a montagem de Diana Vasconcelos ajuda muito no resultado final, acima da média.
O roteiro de Silvestre e a escalação de Filho proporcionaram um encontro de titãs na tela, cada qual a seu tempo desempenhando suas funções com brilho. Do veterano Lázaro Ramos, que dá muitas curvas emocionais ao famoso Spinoza de Garcia Roza, ao jovem Peter Brandão, o elenco principal está não apenas coeso, mas com suas espinhas dorsais muito bem defendidas, com ao menos duas impressionantes atuações de duas atrizes geniais, Cláudia Abreu e Thalita Carauta. A primeira, desde O Caminho das Nuvens não entregava uma performance tão consistente, tão repleta de elementos e motivações, tão misteriosa e absolutamente segura. A segunda… bem, o que ainda falar sobre? Esse ano Thalita já arrebentou em 4×100, e aqui ela volta a demonstrar a envergadura de quem almeja ser uma das maiores do país. Sua personagem é pura personalidade, humanidade, rapidez, destreza e carioquice, uma performance inesquecível.
Essas duas mulheres, mais Mayana Neiva em uma cena pesadíssima e incômoda, junto a praticamente todas as presenças femininas rápidas em cena, convergem o filme em uma demonstração do empoderamento sem panfleto – todas as personagens fazem o que querem, como querem, e eventualmente estão certas em suas decisões. Essa cena envolvendo Neiva, a briga de Abreu com Bruno Gissoni onde ela revida sempre que pode, toda a postura de Carauta diante do seu parceiro, seu relevo estético que realça uma mulher que não deixa de ser vaidosa por ser policial, sexualmente ativa e verbalmente liberada, tudo em O Silêncio da Chuva é pró-feminista sem abrir espaço pra palestra. Inclusive a solução do caso criminal, é um ato de bravura por parte de uma mulher, que se imola para sobreviver. Parece pouco para um produto de alcance popular, que se naturalize a força e as decisões femininas, no amor, no sexo, na profissão, mesmo na ambição? Não acho.
PS: a nota só não foi maior pelo tratamento relegado ao desfecho de Daia, uma personagem fascinante que merecia um final à sua altura.
Um grande momento
O interrogatório de Beatriz