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O Tigre Branco

Ninguém será um milionário

(The White Tiger, IND, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Ramin Bahrani
  • Roteiro: Ramin Bahrani
  • Elenco: Priyanka Chopra, Rajkummar Rao, Adarsh Gourav, Mahesh Manjrekar, Perrie Kapernaros, Swaroop Sampat, Vijay Maurya, Vedant Sinha
  • Duração: 125 minutos

Eu estou preso no galinheiro, e não há nenhum programa de perguntas e respostas para me deixar milionário

Esse frase é dita por Balram, o protagonista de O Tigre Branco, depois da metade de projeção, já observando os efeitos contrários a sua dedicação como resultado do plot principal que culmina uma mudança de chave na trama dirigida por Ramin Bahrani (de 99 Casas), adaptada do best seller de Aravind Adiga. Assim como Uma Noite em Miami… na semana passada sacaneava abertamente Green Book por sua falsa imagem cândida, essa frase agarra pela gola outro vencedor do Oscar populista, Quem Quer Ser um Milionário?, e declara que suas boas intenções não mascaram seu oportunismo. 

O jogo de Bahrani é radical, porque em muitas camadas sua narrativa (e provavelmente a dos livros que inspiraram ambas as obras) se assemelha a do hit de 2008 que levou Danny Boyle ao patamar mais alto da indústria. A história de Balram é contada do futuro onde ele claramente já trocou de lugar na pirâmide social, e o filme a todo tempo o vende como um primo de Jamal Malik, o personagem que lançou Dev Patel há 13 anos. Mas Jamal conservava a sua inocência e foram esses dados que o transformaram num herói tão clássico ainda que com uma roupagem moderna – os indianos serão os próximos brancos, certo? 

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O Tigre Branco

Já esse novo herói tomou umas boas doses de curry, pra dizer o mínimo. Balram sabe muito bem o que quer, quem o atrapalha, quais são suas metas e como pode chegar até seus objetivos, e está pronto para sujar as mãos se possível; logo, a pureza não tem vez aqui. Como a frase que abre o texto deixa claro, o personagem sabe que o milhão não lhe será dado por destino, sorte ou amor… talvez por isso O Tigre Branco tenha uma dificuldade inicial de engajamento. Seu protagonista é um realista, apesar de sonhador, e quando os sonhos caírem, ele será o responsável por ditar as regras e abrir as portas que não seriam, nunca serão, por mais que “você é como se fosse da família”; acredite, você nunca é. 

Com ritmo ágil graças ao elogiado montador Tim Streeto (responsável por The Marvelous Mrs. Maisel e Fosse/Verdon), o filme radicaliza na proposta de desdobrar um personagem tão complexo porém tão próximo de todos nós. Essa talvez seja a grande virtude da produção, deixar claro que Balram não está longe de nós intrinsecamente, e que ele dá voz a uma fatia que está cansada de ser “quase”, ter “quase oportunidades”, ser “quase da família”, estar “quase no lugar certo”, que está prestes a tomar para si não apenas os deveres, mas também os direitos que são esperados há gerações; o tempo do tigre branco está acabando, está chegando o tempo onde ninguém se conformará em ser o único de sua geração a alcançar algo. 

O Tigre Branco

Ainda que tenhamos conhecimento prévio do rumo dos eventos até determinado momento, o filme começa a pregar peças no espectador em certos pontos da narrativa. A sensibilidade de Bahrani, que vem ganhando estofo a cada novo trabalho, acessa mais uma vez pontos de confluência na sua carreira, como essa necessidade de ascensão eternamente negada a quem não foi escolhido pela vida, e a fomentação particular de uma certa ebulição social que a falta de oportunidades farão eclodir nas narrativas. Não há mais espaço para a aceitação de normas da sociedade que só alimentam a exclusão, ainda que na superfície as relações pareçam acolhedoras. 

Há uma breve passagem no filme onde uma questão é levantada, para descarte quase imediato e que engrandece uma espécie de tique positivo de O Tigre Branco. Em certa cena, Balram recebe uma soma de presente cuja totalidade quebrada o intriga (“porque 9.300 e não 10 mil?”). Tanto atentar para essa questão é interessante quanto abortar esse pensamento é rico, e ilustra como o filme se preocupa com certos dados e com outros simplesmente não, deixando a narrativa mais fluida com essa percepção de que não temos como controlar ou saber todas as coisas, algumas apenas são do jeito que são. 

O Tigre Branco

Com um elenco robusto onde todos estão em excelente forma, o grande destaque é mesmo para o central Adarsh Gourav, quase uma revelação do filme, que explora as nuances e as inúmeras camadas que seu personagem precisa apresentar a cada cena, na maioria das vezes que se contrastam e que geram um turbilhão de emoções em cada olhar do ator. Um universo tão complexo de um homem fruto da forma como a sociedade o forjou num filme que ainda comete algumas ousadias morais, incluindo o plano final, uma espécie de ratoeira automontada e convite às armas em confronto, ao seu entorno e ao espectador.

Um grande momento
Balram é da família – pelos últimos 5 minutos 

Ver “O Tigre Branco” na Netflix

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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