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A Chiara

O despertar de uma primavera incomum

(A Chiara , ITA, FRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Jonas Carpignano
  • Roteiro: Jonas Carpignano
  • Elenco: Swamy Rotolo, Salvatore Rotolo, Grecia Rotolo, Vincenzo Rotolo, Claudio Rotolo, Pio Amato, Susanna Amato, Damiano Amato, Leonardo Bevilacqua, Antonina Fumo
  • Duração: 120 minutos

Jonas Carpignano é um cineasta de origem ítalo-americana com uma ligação forte com a periferia da Itália, especialmente os conhecidos ‘novos ciganos’ e suas ligações eventuais com o mundo do crime. Ele se conecta com uma cena mafiosa contemporânea que chamou a atenção de alguém como Martin Scorsese, que produziu Ciganos da Ciambra ao lado de Rodrigo Teixeira. Tanto neste título anterior quanto no novo A Chiara, estreia da MUBI, as relações familiares se entrelaçam nas criminosas, e vice-versa. O que aparenta um quadro naturalista ganha contornos de tragédia quando são ainda mais aprofundadas, revelando aí o interesse de Scorsese, que traçou caminhos igualmente paralelos em suas incursões pelo tema, humanizando seus tipos pela forma com que eles se unem. 

Se no título anterior ele concentrou suas lentes para uma zona empobrecida dentro do universo criminal, entre famílias que dependiam economicamente de ganhos mafiosos, em A Chiara o jogo muda radicalmente de observação. O grupo social em foco dessa vez é uma família em ascensão, tanto socialmente quanto no ambiente sombrio. Essa escalada, no entanto, é, como conhecemos dessas narrativas, uma estrada acidentada que pode oferecer desafios inesperados. Nada se desenha como uma certeza absoluta, ou elas necessariamente são até o momento em que deixam de ser, num estalar de dedos – ou em uma mudança súbita de comandos. Estão em entrelinhas que existem num crescendo essa atmosfera de perda, ao redor de tudo o que está sendo contado. 

Antes de aprofundar, o que Carpignano nos apresenta é sua protagonista, Chiara. Nada na adolescente a distancia de uma personalidade igual a tantas de sua idade: explosiva, carismática, impulsiva, com sede de conhecimento, curiosa, ruidosa, Chiara é uma figura clássica da adolescência. Interpretada com sede por Swamy Rotolo (David di Donatello de melhor atriz esse ano), a personagem já tinha passeado pelo título anterior, assim como outros de lá aparecem aqui. São universos afins, que conversam por essas presenças sutis, mas também mostram personalidade no que tangencia as experiências de cada título. O universo da menina é o mais tradicional possível, e o filme a acompanha quase de forma documental (escolha do diretor como textura), até que seu mundo começa a ruir. 

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A Chiara é montado em blocos. No primeiro, esse vestígio de juventude arrebata as cenas, com os adultos quase como reféns daquele universo excessivo e barulhento. Isso não nos prepara para os acontecimentos seguintes, apenas que uma tensão é construída no ar de maneira minuciosa. No segundo bloco, o pai da protagonista precisa desaparecer por um motivo que elas desconhece, mas isso não a impede de investigar seu paradeiro, e as causas desse sumiço – enfim, a realidade parece maior do que sua ilusão juvenil. Desse segmento, para o próximo, onde ela enfim chegará perto de uma verdade do qual nunca se importou em saber, marca um amadurecimento sem maquiagem, absolutamente seco. Como se estivesse estupefata com algo que sempre fez parte de sua vida, uma bolha que ela mantinha paralela e agora explode em cima de si. 

A edição do filme a cargo de Affonso Gonçalves (de Carol e Pacificado) é um dos pontos cruciais de seu sucesso, porque desnorteia a protagonista, respingando também no público as descobertas e seus posteriores resultados. Essa montagem segmentada propicia que seus personagens sejam descortinados com cuidado, e que Chiara frua essas revelações em diferentes graus. De maneira fria, distanciada por ora, e em outros momentos cheio de gás e reviravoltas, é uma personagem que também revela as fragilidades por trás de uma personalidade tão esfuziante, e ao mesmo tempo tão prosaica. Sua aproximação dos fatos definidores de seu futuro não apagam a essência que está tão à flor da pele. 

Aos poucos, A Chiara mostra que é envolvido com a cena criminosa de uma Itália moderna, ao mesmo tempo em que não se trata apenas sobre isso. Não é sobre o orgulho de ser um Corleone; hoje em dia, as atividades são ainda mais escondidas no núcleo central do poder. Quem o rodeia, vive uma vida de aparências sem hora para se reencontrar, e assim a protagonista arrefece uma possível do lugar onde está. Paralelo a isso, o filme nunca deixa de ser um ‘coming of age’ dos mais insuspeitos, que traduz a vida de uma típica jovem moderna em uma sucessão interminável de descobertas, sobre si e sobre o estado das coisas. 

Um grande momento

Chiara é levada até o buraco

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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