Crítica | Cinema

Folhas de Outono

Amor proletário

(Kuolleet lehdet, FIN, ALE, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Aki Kaurismäki
  • Roteiro: Aki Kaurismäki
  • Elenco: Alma Pöysti, Jussi Vatanen, Janne Hyytiäinen, Martti Suosalo, Alina Tomnikov
  • Duração: 81 minutos

Dizem que não há nada melhor do que um melodrama. É verdade, mas um melodrama de Aki Kaurismäki, recheado de significado, vai muito mais longe. Folhas de Outono, com a banal história de amor de duas pessoas comuns, Ansa e Holappa, que se encontram por acaso em uma noite em um karaokê, tem tudo o que o gênero pede, mas tem muito, muito mais.

Há doçura no modo como o diretor fala desses personagens, mas há crueza em como retrata suas vidas submetidas à lógica opressora do mercado que descarta os seres humanos. Tudo é característico de seu cinema, tanto em forma quanto em conteúdo. Há a crítica social, a busca por esses indivíduos que vagam por aquele universo e sua solidão, e um humor muito particular que transforma a jornada.

Folhas de Outono seria como o quarto filme na Trilogia do Proletariado, seguindo Sombras no Paraíso, Ariel e A Garota da Fábrica de Caixa de Fósforos. Ao retratar a discrepância de uma sociedade que se reconhece mundialmente em um lugar de distinção, é na identificação de suas realidades que os protagonistas se encontram e se desencontram tantas vezes, em uma relação que transcende a amorosa.

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Em seu entorno, outras criaturas igualmente afetadas pelo estado das coisas. Uma delas se destaca, amigo de Holappa, Huotari. Personagem divertido e cheio de tiradas inspiradas, ele se enquadra no sistema, mas tem o sonho de ser descoberto e virar uma grande estrela mesmo sem nenhuma chance de que isso aconteça, na melhor alusão à dinâmica capitalista.

As referências cinematográficas são explícitas e estão por toda parte de Folhas de Outono. Kaurismäki brinca com elas e enriquece sua história de amor, porque ela nunca deixa de estar lá e nunca deixamos de torcer pelo casal vivido por Alma Pöysti e Jussi Vatanen. A atriz e o ator são tão precisos em suas caracterizações de contenção, desilusão e afeto que é difícil não se envolver com eles.

Com a disfarçada simplicidade de um melodrama qualquer, a desencontrada história cheia de percalços com toda a solidão e os traumas que nela têm influência; além do modo como Kaurismäki a conta trazendo o ambiente social inóspito que nisso interfere diretamente, faz de Folhas de Outono é um filme imperdível por sua complexidade. 

Um grande momento
O telefone que se perde

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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