Crítica | Streaming e VoD

Tully

(Tully, EUA, 2018)
Comédia
Direção: Jason Reitman
Elenco: Charlize Theron, Mackenzie Davis, Ron Livingston, Asher Miles Fallica, Lia Frankland, Mark Duplass, Elaine Tan, Gameela Wright, Tattiawna Jones, Stormy Ent, Maddie Dixon-Poirier
Roteiro: Diablo Cody
Duração: 95 min.
Nota: 7 ★★★★★★★☆☆☆

No Natal, estava zapeando pelo Facebook quando me deparei com a postagem de uma amiga recém-mãe. A filhinha completara uma semana de vida no dia 25 e a mãe relatava toda a loucura de sentimentos que chega com a maternidade. “É muito mais difícil do que eu imaginava”, ela concluía em seu texto. Aquelas palavras me remeteram imediatamente a todos os desesperos, loucuras e emoções que eu senti quando meus filhos nasceram. A primeira chegou com a surpresa e uma completa falta de noção sobre o que estava acontecendo na minha vida; o segundo veio com mais experiência, mas tinha o cansaço. Dois momentos muito relacionáveis, em duas pessoinhas completamente diferentes.

Tully é sobre isso: a loucura, o prazer e o desespero de tornar-se mãe. Sem romantizações ou imposições sociais que afirmam aquela pré-determinação inexistente para a experiência, o ter um filho – no caso, mais um – é uma revolução física, psicológica, afetiva. É muito bom ver na tela esse outro lado da maternidade, tão pouco comentado e tantas vezes julgado. É bom ver a verdade, toda a dificuldade de adaptação, toda a falta de sono, dor e apatia, no lugar de exaltações ao lado belo, natural e dedicado, que também existe, mas nunca está sozinho.

Jason Reitman, já conhecido por sua habilidade para lidar de maneira leve com dramas humanos, dirige o longa-metragem. Porém, aquilo que se vê, pela delicadeza com que acessa certos pontos e pela noção exata dos sentimentos, tem, obviamente, a participação de uma mulher: a roteirista Diablo Cody. O terceiro trabalho da dupla, depois de Juno e Jovens Adultos, segue buscando o que há de real no universo feminino, desconstruindo aquele padrão de mulher perfeita e sempre disponível que agrada o patriarcado.

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Mais do que a exposição de uma imagem negada, Tully, assim como os filmes anteriores, faz com que questões sejam acessadas e gera uma auto-reflexão interessante, sobre símbolos, expectativas e posicionamentos inconscientes. Na realidade daquela protagonista, outras tantas realidades podem se encontrar.

Quem dá vida à esta persona é Charlize Theron, em ótima atuação. Sua Marlo está cansada, mas acha que não precisa parar. Com dois filhos pequenos, um deles que precisa de cuidados especiais, e um marido mais ausente do que presente, ela precisa enfrentar os últimos meses de gravidez e os primeiros dias do bebê recém-nascido, com todo o choro, trocas de fraldas, leite empedrado e uma enorme quantidade de preocupações constantes.

A dinâmica familiar antes, durante e depois da chegada de Tully, a babá noturna, que ajuda a cuidar o bebê e da mãe, é muito bem trabalhada, tanto em opções evidentes de cenas como em pequenos detalhes deixados como dicas ao espectador mais atento. É no ambiente, mas não só nele, que a relação que surge se torna tão significativa, seja pelo que se vê ou pelo que provoca.

Em semelhanças, diferenças e obviedades temporais, a maternidade consegue encontrar-se num lugar de representação muito diferente no cinema. Muito se deve à atuação de Mackenzie Davis como a “estranha” e a química entre ela e Theron, mas o que se destaca mesmo é o roteiro de Cody e o modo como ela acessa aquela história e a transforma em algo tão próximo e tão real para qualquer mãe que assista ao filme.

E essa é mais outra das grandes coisas que o cinema pode fazer. Estar ali traduzindo, de infinitas maneiras, o post daquela mãe no Facebook, as olheiras e a dor nos seios daquela prima que amamenta ao nosso lado, e as memórias de um dos momentos mais maravilhosos e tumultuados da minha vida, há tantos anos. Pode até ser lindo e uma das melhores coisas que pode acontecer a algumas mulheres, mas é difícil demais!

Um Grande Momento:
– Ela deixou os meninos sozinhos em casa.
– Você não estava lá?

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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