Crítica | Outras metragens

Vulnerability

A perfeição que nos sufoca

(脆弱性, JAP, 2020)
Nota  
  • Gênero: Ficção científica
  • Direção: Eiji Tanigawa
  • Roteiro: Eiji Tanigawa
  • Elenco: Shiori Kubo, Ryû Morioka, Takashi Okabe
  • Duração: 26 minutos

Uma das grandes dicotomias da sociedade atual não é visível, transita por cabos e wi-fi e está escondida em microchips e megaservidores. Facilita nossa vida, nossa comunicação, vai aprendendo o que queremos, como e quando queremos, e do que gostamos. Aos poucos, não conseguimos mais lembrar de dados que já guarda para nós, não somos mais donos reais de nada e ainda somos manipulados a fazer o que espera que façamos. Sabemos disso e não conseguimos mudar. A ficção-científica Vulnerability vai ainda mais longe. 

No curta japonês, dirigido por Eiji Tanigawa, a tecnologia atinge o limite do sonho da bateria infinita e o desespero da perfeição. A robô Messias não vai fazer ligações como seu iPhone, enviar e-mails como seu Gmail, mandar mensagens como seu WhatsApp, e nem tocar suas músicas como seu Spotify, mas ela vai arrumar sua casa, te fazer companhia, cuidar dos seus filhos e deixar tudo sempre limpo e arrumado. Tão arrumado e perfeito que te faz desejar a imperfeição, a humanidade perdida.

O ar está tão puro. Respire fundo!

Apoie o Cenas

O diretor apresenta Messias no meio do caos de veneração e repúdio. É o produto de um capitalismo que a anuncia com incessantes anúncios em gigantes outdoors de led ou em propagandas televisivas com depoimentos de compradores felizes. A história transita entre a realidade destes depois de um tempo e aquilo que foi dito. Numa outra via, há a polícia num prédio sujo e largado.  É ela que nos traz, textualmente, as informações sobre o que está acontecendo. 

Tudo é frenético e intenso, com tons que variam entre tempos, planos e movimentos de câmera inspirados. Os diálogos acompanham o ritmo e Vulnerability, em meio a toda a sua loucura – e artificialidade –, fala alto ao público por uma estranha identificação. Nada daquilo é possível ser real, mas, ao mesmo tempo, há uma empatia com as duas mulheres que ultrapassam o limite da sanidade ao se perceberem insuficientes diante da perfeição sintética. A crueldade dos tempos atuais em outra configuração.

Num outro lugar, está o deslumbre daqueles que tomam a robô Messias como elemento fundamental, os que não reagem ao mal que ela pode causar e a veneram acima de todas as coisas. Tanigawa adentra no mundo dos cultos, abrindo uma terceira trilha e assumindo a estética de colagem. Perdido entre os três caminhos, um policial novato escuta os que se desesperam no encontro consigo mesmo, vivencia o delírio com a perfeição e compartilha o cotidiano com alguém que mantém a distância segura.

Vulnerability segue o seu ritmo expondo a grande diferença entre nós e eles, e leva ao mais cruel, talvez até falando demais em seu trecho final, mas quem sabe isso já venha de todo o imediatismo que as máquinas trouxeram para a vida. Na certeza do fracasso e com tudo caindo sobre nossas cabeças, a mensagem forte fica.

O ar está tão puro. Respire fundo!

Um grande momento
Mei, mei!

Curte as coberturas do Cenas? Apoie o site!

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo