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Bacurau

(Bacurau, BRA/FRA, 2019)
Ação
Direção: Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho
Elenco: Barbara Colen, Thomas Aquino, Silvero Pereira, Thardelly Lima, Rubens Santos, Wilson Rabelo, Carlos Francisco, Luciana Souza, Karine Teles, Antonio Saboia, Sônia Braga, Udo Kier, Buda Lira, Clebia Sousa, Danny Barbosa, Edilson Silva, Eduarda Samara, Fabiola Liper, Ingrid Trigueiro
Roteiro: Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho
Duração: 131 min.
Nota: 8 ★★★★★★★★☆☆

Um céu estrelado que lembra o do sertão? Não. É externo, muito, e se volta para dentro. Com um mergulho se aproxima da Terra, do Brasil, do Nordeste, até chegar a Bacurau. Desvencilhando-se do explorar, vem curioso de fora para conhecer o que acontece naquela pequena cidade que misteriosamente sumiu do mapa.

Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles criam uma fábula de invasão e vingança para falar da realidade de um país, que não se conhece e faz questão de não olhar para si mesmo. Bacurau vai buscar em grandes nomes do western e da ação de tempos idos referências para subverter a lógica de um gênero, destrói mitos cristalizados pelo próprio cinema para se aproximar de uma realidade que só existe por aqui.

Para chegar a Bacurau, a cidade isolada e agora esquecida, é necessário percorrer um caminho entre símbolos: caixões espalhados pela estrada, a água criminosamente represada e tiros para o alto. É como se o local fosse uma ilha cercada por morte, abandono, ameaça e medo, mas pode ser alcançado pelo caminhão pipa que traz o líquido vital junto com a nativa que retorna trazendo a sobrevivência na mala.

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No esquecimento, aquele povo descobriu uma nova forma de se organizar. A vida em Bacurau é livre de julgamentos pessoais, a convivência independe do que o particular faz em sua vida privada, mas todos sabem que algo se espera deles na coletividade e os papéis seguem sendo desempenhados.

Naquele futuro distópico, a sociedade tem sua própria estrutura e não precisa e nem quer interferência externa. O modo como os diretores e o fotógrafo Pedro Sotero filmam as relações dá espaço para que se perceba a proximidade. Tanta simplicidade, luz e abertura destacam o movimento dos corpos que se aproximam ou afastam, seja na dor do velório de Carmelita, no dolorido vexame de Domingas, na aula das crianças ou na reunião para distribuição de mantimentos.

Nesta apresentação, há uma sequência muito inspirada, quando os moradores escondem-se ao saberem da chegada do político. Na véspera das eleições, ele chega para buscar votos, faz barulho e leva livros e mantimentos. Encontra, com um humor debochado, o vazio e o silêncio. O descaso do virar da caçamba é tão simbólico e muito pertinente com a realidade além do filme – e, ao mesmo tempo – nele tão pura.

No meio da conformidade, outro ruído vem para inquietar o sossego e chega com trilheiros. Mais do que o estranhamento visual com as cores gritantes das roupas do casal, ou do barulho dos motores das motos, Mendonça Filho e Dornelles fazem questão de usar tudo para provocar e manter a tensão na passagem dos dois pela cidade. O público toma a dianteira com a exposição de intenções que permanecem desconhecidas pelos personagens. Movimentos de câmera e trilha potencializam agitação, tumulto e confronto.

É este ruído que leva até o outro lado da história, aquele no qual está a grande subversão da dupla de diretores: os vilões da história são americanos que, com seu apego às armas e seu desprezo pela vida humana, reaparecem em um lugar onde já estiveram antes para destruir. Há colonização e quebra da imagem propagandeada de salvadores, numa estética muito diversa daquela vista na cidadezinha. Tudo é artificial nos diálogos, nas roupas camufladas ou na passarela de neon por onde atravessam. Se estruturalmente, seguem o padrão esperado de antagonistas de filmes de ação, é na crítica por trás desta construção que está o que há de melhor no filme.

Ali está a colonização, a idolatria vazia, o culto à morte e a eterna percepção equivocada da elite brasileira colonizada, principalmente sudestina e sulista. “Somos como vocês”, diz o casal de motoqueiros, antes de perceber que não há qualquer tipo de identidade ou empatia do outro lado. A euforia e o prazer dos invasores está em outro lugar, aquele da dizimação.

A partir de então, o filme assume a sua posição enquanto cinema de gênero. A trama remete a outras já muitas vezes vistas: alguém chega para ensinar a cidade a se defender dos forasteiros. Todos se preparam para revidar e, de maneira ainda mais literal, lutar por sua sobrevivência. Os diretores não economizam no sangue e na violência. Em sua simbologia, entre mortes de criança e a revolta dos bacamartes, alcançam a psicopatia, a vilania e a vingança.

Claramente feito por cinéfilos, Bacurau consegue encontrar a sua própria identidade entre referências cinematográficas e históricas. Um filme que inventa toda uma realidade e exagera em suas tintas e na fabulação para falar da vida que está fora do cinema no exato momento em que o filme é exibido. Um Brasil de cidades e pessoas esquecidas, onde a mentalidade colonizada pela propaganda massiva externa e a ignorância cultuada internamente criam apagamentos e crenças em ficções que perpetuam o preconceito, o descaso e a morte.

Daquele céu estrelado, quem chega a Bacurau vem de longe, mas sabe o que vai encontrar. “Se for, vá na paz!”

Um Grande Momento:
“Nós somos brancos”.

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IMDb

Fotos: Cinemascópio e Victor Jucá

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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