(Remoinho, BRA, 2020)
A vida é cheia de retornos. Da palavra que nomeia mas não é dita à imagem que está entalhada na pedra, vidas se transformam em movimentos espirais que levam de volta a um lugares deixados para trás. Remoinho, de Tiago A. Neves, acompanha esse retorno de Maria à casa da mãe. Sem determinar personalidades, origem ou usar qualquer elemento de identificação além de um pedido de comida e um chip pela janela, a história daquela mulher é entregue ao espectador.
Silenciosa, angustiantemente silenciosa, sentimos a dor/vergonha/fracasso daquela mulher por ter que retornar ao início da jornada. Neves quer impressionar com planos, destacando justamente seu silêncio. A câmera de Erik Clementino passa pouco tempo longe da atriz Cely Faria. Por vezes erra no enquadramento quando homenageia um cinema de destaque e nem todas as escolhas têm função.
Mas o que se extrai daquilo que se vê traz tanto dúvida quanto identificação. Maria são muitas e muitos que precisam retomar suas jornadas do princípio. Além do voltar à casa da mãe, outras questões se estabelecem, como a relação com o próprio espaço no mundo, o não-pertencimento e a própria maternidade. “Você foi embora e nunca mais deu notícia”, diz a mãe sem nunca deixar de acolher novamente à filha. Porém, não sem a estranheza natural do afastamento. Isso não fica claro apenas na chegada, mas na própria mise-en-scène em contraposições no espaço cênico, posicionamentos dos corpos e em enfoques e profundidade.
Indo para o pessoal, individual, a questão do espaço, de um lugar onde não se sente confortável e de onde quer fugir ganha cenas específicas, quando traduz desejos em forma de caixa de música ou quando os expõem oralmente. Não que fosse necessário, porque a Maria de Faria deixa isso claro antes mesmo de descer do ônibus. Um outro desconforto da personagem está na relação com o filho. Nada daquilo a faz feliz, mas há todo um peso social que a fez chegar até ali. Remoinho não julga sua personagem, faz com que as escolhas sejam exclusivamente dela. Que não está feliz, não sabe se vai ficar, mas quer tentar.
Outra aposta do curta é no tempo das cenas, quase todas entregues às interpretações não só de Faria, mas também de Zezita Matos, como a mãe, que é quem preenche o espaço com palavras, em passagens que poderiam ser monólogos se a postura corporal de sua interlocutora não fosse tão específica. Mas o filme poderia ficar aí, não precisava inventar novas interações apenas para justificar a explicação de um elemento já óbvio.
Remoinho é um filme irregular, mas tem essa força de perturbar com o silêncio de sua protagonista. Aquela história que acompanhamos se constrói em cima da vivência de cada um dos que assistem ao filme e das concepções que têm do mundo. É um cinema que contraria a tendência de buscar sempre pela força da palavra. Ainda que se atrapalhe no caminho, encontra certa potência.
Um grande momento
E o pai?