Crítica | Festival

Escape from Mogadishu

Entre bombas e insulina

(모가디슈, KOR, 2021)
Nota  
  • Gênero: Ação
  • Direção: Ryoo Seung-wan
  • Roteiro: Ryoo Seung-wan
  • Elenco: Kim Yoon-seok, Jo In-sung, Heo Joon-ho, Koo Kyo-hwan, Kim So-jin, Jung Man-sik, Kim Jae-hwa, Park Kyung-hye
  • Duração: 121 minutos

Humor, drama, ação, suspense, espionagem, kung fu, tensão, conflitos diplomáticos, guerra civil e fuga improvável. Pegue tudo isso e mais um monte de outras coisas e você chegará perto do que é o eletrizante filme sul-coreano Escape from Mogadishu. Ora pura adrenalina, ora intrincada trama política, o filme vai encontrar os embaixadores da Coreia do Sul e da Coreia do Norte em plena disputa pela atenção do presidente da Somália, Siad Barre, quando explode a guerra civil no país africano.

O filme de abertura do 20th New York Asian Film Festival é baseado em fatos reais e conta a história da tentativa dos dois embaixadores de deixarem o País depois que explode a rebelião. O ano é o de 1990, a Coreia do Sul estava nos trâmites políticos para a entrada nas Nações Unidas, e a África era o continente com o maior número de países votantes, por isso a trama se passa em Mogadísciu, capital da Somália. A tensão tem dois focos: o externo, com uma revolta pelo fim da ditadura de Barre, que explode no local com a invasão da cidade pelas milícias rebeldes; e o interno, com a tensão constante e histórica entre as duas Coreias.

Escape from Mogadishu
Courtesy of Well Go USA Entertainment

Aumentando sua filmografia de ação, Ryoo Seung-wan, diretor dos “se ainda não viu, veja” O Veterano, O Arquivo de Berlim, Mau Negócio e A Cidade da Violência, transita entre muitas searas com seu novo filme. Partindo da comédia atrapalhada, com roupa rasgada, taxista insistente e corridas ao léu, com maior destaque ao pateta personagem de Jung Man-sik, o fiel escudeiro do embaixador sul-coreano, o longa não indica que chegará na trama de espionagem que virá a seguir. O leque de personagens vai se abrindo e tornando-se cada vez mais interessante, justificando uma possibilidade de novos caminhos e gêneros. Nos detalhes, é possível perceber a preocupação única de Yoon-seok, o dono do drama; Jo In-sung e Koo Kyo-hwan, são os esquentadinhos, impacientes, da espionagem e da ação; e Heo Joon-ho aparece como o homem frio e calculista, o do suspense. Mulheres, pretos e crianças recebem papéis bem menos elaborados.

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Escape from Mogadishu tem algumas determinações incômodas, como a própria representação do local, que esbarra com o desconhecimento do lado de cá, e um perceptível favoritismo por uma das partes. Posturas, gestos, ângulos e até mesmo a trilha indicam quem ali deve ser visto como mocinho e quem deve ser visto como vilão. Por mais que isso tenha uma função narrativa, é algo que lembra tanto o cinema mainstreaming do gênero, que frustra quando vindo de um país que poderia romper com algumas dessas fórmulas já tão desgastadas. Aliás, se é para falar de ruptura, muita coisa aqui poderia ter sido diferente se Seung-wan fizesse no filme o que faz quando mistura os gêneros ou brinca com aleatoriedades, como uma luta dentro de um quarto ou um motorista que entra.

Escape from Mogadishu
Courtesy of Well Go USA Entertainment

Mas, ele ainda se diverte e nos diverte muito e, nessas duas horas de filme, garante muito entretenimento. Aquilo que ele construiu com tanto afinco no roteiro vai se desfazendo à medida que a cidade vai sendo destruída pelas tropas rebeldes, até que os dois grupos tenham que se aproximar. O público ri, se emociona, fica tenso e muitas vezes não acredita nas soluções estapafúrdias do grupo para os problemas que aparecem pelo caminho. Além das paredes da embaixada, o diretor é eficiente na elaboração do ambiente aterrorizante da guerra. As imagens de Choi Young-hwan (de Pandora e Contos do Caçador de Sombras) são fortes e chocantes, e o filme não se esquece de colocar a triste realidade da participação infantil nesse tipo de conflito.

Pela semelhança temática, muitos podem lembrar de Argo, um filme que esse aqui colocou no bolso. Ainda que tenha lá suas questões maniqueístas e puxe a sardinha para o seu lado — quem nunca –, Escape from Mogadishu cumpre com todos os méritos o seu objetivo. Com habilidade, consegue misturar muita coisa diferente e tecer uma trama complexa que traz a diplomacia num primeiro plano e por trás de tudo trata das relações humanas mais básicas, do encontrar e cuidar do outro, independentemente de quem ele seja. Para rir, sentir frio na barriga, ficar tenso e torcer, é daqueles títulos que ainda tem uma mensagem para deixar. 

Um grande momento
Corrida silenciosa

Escape from Mogadishu
Courtesy of Well Go USA Entertainment

“Escape from Mogadishu” faz parte da seleção do 20º NYAFF, que acontece de 6 a 22 de agosto de 2021.
O New York Asian Film Festival é vinculado ao Lincoln Center e é o único evento dos Estados Unidos dedicado exclusivamente ao melhor do cinema asiático.

[20th New York Asian Film Festival

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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