Crítica | Streaming e VoD

Violet Evergarden: Eternidade e a Boneca de Automemória

(Vaioretto evâgâden gaiden: Eien to jidou shuki ningyou, JAP, 2019)
Animação
Direção: Haruka Fujita, Taichi Ishidate
Roteiro: Takaaki Suzuki, Tatsuhiko Urahata
Duração: 90 min.
Nota: 7 ★★★★★★★☆☆☆

Em um momento como o nosso, de tão aumentada ansiedade, sintomas de depressão aparecendo até em quem não os tinha previamente e exclusão social voluntária, uma mensagem que aplauda a necessidade de carregar boas notícias, de difundir a comunicação entre os seres, do aprendizado passado manualmente, e de como o toque possa ser essencial para mudar a natureza de alguém. Junto ao indicado ao último Oscar Klaus, esse anime Violet Evergarden: Eternidade e a Boneca de Automemória, disponível na Netflix, volta a fazer uma elegia aos… carteiros, profissão tão pouco notada pela dramaturgia e pela sociedade do hoje, do agora, do imediatamente. Afinal, como reconhecer a importância de quem presta um serviço não-imediato em tempos urgentes?

As três protagonistas do longa dirigido por Haruka Fujita e Taichi Ishidate estão momentaneamente desamparadas quando esbarram umas com as outras, por inúmeros motivos. É através do altruísmo (em uma delas, obrigatório) que sua narrativa se constrói, observando como o isolamento e a exclusão são avessas ao crescimento espiritual e humano. É através do contato, a princípio físico e aos poucos emocional e afetivo, que cada uma das três consegue observar a saída para suas situações de carência e abandono. Ao travar trocas básicas de abnegado afeto, Violet, Amy e Taylor condicionam mais do que as próprias relações com o outro, mas também movimentam uma cadeia em espécie de pirâmide inconsciente de ajuda ao próximo.

Violet Evergarden: Eternidade e a Boneca de Automemoria (2019)

Baseado num mangá já transformado em precursora série de sucesso no Japão, esse longa é uma espécie de ‘episódio intermediário’ de um projeto que já inclui um próximo e ambicioso capítulo para os cinemas já pronto, e adiado graças ao COVID-19, que vai desenvolver ainda mais substancialmente as histórias de Violet Evergarden e outras ‘bonecas’ como ela, mulheres contratadas para servir à famílias ricas em educar suas herdeiras, como damas de companhia com serviços extras ligados à educação, bons modos, postura e convivência social. Na verdade mais uma fatia de uma sociedade ancestral e conservadora que mantém suas figuras femininas em tentativas arcaica de dominação machista.

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Sem conhecer previamente o projeto, é de se imaginar que o encanto pelo mesmo venha da forma delicada como se constroem as relações humanas naquele universo ultra controlado, mas cujo olhar da dominação não é acessado pelo espectador. Nosso contato é com a mecânica de obediência de ordens superiores e tradições ancestrais que aprisionam os seres e fazem nascer a sede pelo próximo. Por isso tão positivamente ambíguas as cenas que envolvem a chegada de Violet ao colégio interno onde está Amy. Cercada por um misto de curiosidade e fascínio, logo a mesma vira claro objeto de desejo por todas as residentes, até chegar na provocação máxima da produção ao vesti-la de homem – e esse desejo explodir durante um baile de debutante.

Violet Evergarden: Eternidade e a Boneca de Automemoria (2019)

O ponto baixo da produção atesta apenas a incapacidade do crítico no acesso ao resto do material, onde talvez conseguisse as respostas onde aqui são deixadas propositadamente vagas a respeito do passado, presente e futuro daquele universo, um claro convite ao mergulho na totalidade de Violet Evergarden, ao bel-prazer do leitor/espectador. Do ponto de vista formal sobre a obra, faltam elementos que a tornem um programa independente, ao mesmo tempo em que aguça a curiosidade para a descoberta de todo o seu entorno. Pensando bem, há até um charme nessa construção narrativa, onde a lacuna das informações abrem por si só elipses das mais interessantes.

O rigor técnico da animação passeia pela casa do impressionante, principalmente em seu início no internato, na cena do baile ou nas sequências noturnas iluminadas apenas por velas, a descortinar a relação entre Amy e Violet, do afastamento violento inicial a uma amizade que sobrevive ao tempo e a distância, mas que foi construída na aceitação do toque e da empatia mútuas, que em três meses não renováveis mudam o interior de ambas. Que haja uma consideração à aceitação de seus destinos – e uma assertividade em conquistá-los – é uma curiosa chave que o filme assimila da própria cultura oriental, em constante ensinamento aos povos do Ocidente, a respeito do amor e do livre arbítrio.

Um Grande Momento:
A Valsa.

Links

IMDb

Assistir na Netflix

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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