Crítica | Festival

A Vingança de Jairo

(La venganza de Jairo, COL/MEX, 2019)
Documentário
Direção: Simon Hernandez
Roteiro: Elisa Puerto Aubel, Simon Hernandez
Duração: 86 min.
Nota: 6 ★★★★★★☆☆☆☆

O Estado pode fazer um cineasta desaparecer? Num momento de tanta incerteza para o atual cenário audiovisual brasileiro, quando a produção cresce junto com os ataques à arte aqui produzida, vamos olhar para os nossos vizinhos. Na Colômbia, o cinema não chegou nem perto de alcançar o status que o Brasil alcançou com a produção audiovisual, em número, pelo menos. A resposta para a pergunta, na realidade daquele país, é sim. E a destruição daquele que foi o mais popular dos realizadores, foi bem efetiva: sua existência foi apagada.

A Vingança de Jairo resgata a figura de Jairo Pinilla. Realizador de filmes para a massa, bem localizado no gênero cinematográfico terror, foi quem mais levou colombianos ao cinema, em um país que, à época, costumava boicotar sua produção. Com filmes trash, feitos com baixíssimo orçamento, como Funeral siniestro, Area maldita, 27 horas com la muerte e T-O: Triangulo de oro – La isla fantasma, ele estourou nas bilheterias e tornou-se um nome a ser acompanhado pelos colombianos.

O longa-metragem, dirigido por Simon Hernandez, tem uma estrutura que lembra os vários documentários produzidos pelos canais de televisão ou pelas plataformas/produtoras de streaming. Travellings, close-up em equipamentos, trilha grave e off trazem uma ambientação familiar, e a originalidade só aparece nos mosaicos com trechos dos filmes de Pinilla. As invencionices e exageros do documentado são atraentes e fazem com que se queira conhecer mais sobre aquela pessoa. A história de seu apagamento acaba ganhando uma outra atenção, bastante eficiente.

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Jairo fala sobre si mesmo, destacando o masoquismo de quem escolhe sua profissão, e sobre o que motiva sua criação. Ele sempre quis realizar nas telas as coisas que o perturbavam na vida. Daí vem a proximidade e a proficiência no gênero fantástico.

O realizador também demonstra um tino especial para os negócios, inventando maneiras de alcançar o público com a dublagem de seus filmes em inglês. O documentário consegue condensar tanto a atenção do diretor ao público e o descrédito pelo qual passava o cinema colombiano. Em uma passagem específica, numa matéria de telejornal resgatada, o jornalista pergunta a algum espectador se ele sabia que o filme era nacional. Após a resposta afirmativa, conclui com outra pergunta: “e se arriscou mesmo assim?”

Se ali se estabelece a força de Pinilla, ela é reforçada com as participações de nomes do país conhecidos internacionalmente, como Luis Ospina, diretor de Pura sangre, e Ciro Guerra, de O Abraço da Serpente. Ambos falam da importância do precursor na produção de um cinema popular e de como ele inverteu a lógica, fazendo altas cifras enquanto era rechaçado pela crítica e pelo próprio meio por não ser alguém “da cinefilia”.

Junto com o documentário de resgate, a equipe do filme acompanha o novo momento da vida de Jairo, com a feitura de seu último filme, um terror em 3D, tecnologia que ele vinha estudando há tempos. Dos óculos construídos por ele mesmo com celofane vermelho e azul à renderização das cenas, passando pelo casting e todos os problemas com o elenco, a paixão de Pinella, um diretor que define seu trabalho como ser os trilhos de um trem, contagia.

Toda paixão vem acompanhada de ingenuidade. Depois de saber tudo o que foi feito, de como o Estado quebrou a cadeia produtiva emprestando dinheiro para depois inviabilizar novas produções, de como o nome de Pinilla foi apagado de todos os livros de cinema do país, não há como não sentir uma certa desolação, ainda que junto a um sentimento de realização pela nova empreitada documentada.

A Vingança de Jairo conta a história de um tempo, de um outro país, mas demonstra o quanto a cultura, mesmo a cultura de massa, tornou-se dependente daqueles que podem destruí-la com uma simples canetada bic.

Um Grande Momento:
Um terror pior que a morte, que é o esquecimento de gerações.

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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