(Swallow, EUA, FRA, 2019)
O primeiro plano de Devorar é muito bom: enquanto Hunter está desfocada todo o ambiente ao seu redor encontra todos os seus contornos muito bem definidos. Aquela simples imagem define muito bem o ambiente que veremos por muitos minutos a seguir, uma mulher que tenta de todas as maneiras se adequar ao ambiente hostil em que está inserida.
A antiga vendedora de uma loja de artigos de higiene teria “tirado a sorte grande” ao se encontrar com um rico herdeiro que se apaixonou por ela e a transformou em uma dona de casa. A vida vazia, porém, consome aquela mulher que não consegue encontrar um espaço de adequação. Embora se esforce muito para demonstrar o contrário, Hunter é solitária e infeliz. Quando engravida, uma outra realidade se apresenta.
Carlo Mirabella-Davis, em sua estreia em longas-metragens, usa uma estética plastificada para construir a primeira parte de sua trama. Seus quadros são bem distribuídos demais, com transições bem casadas, principalmente nas cores, e tudo parece estar irritantemente no lugar certo. Embora isso tenha um motivo narrativo, o incômodo causa um afastamento muito nocivo e irreversível.
O fato de o roteiro estar muito mais na intenção do que na efetividade também é um outro problema. Todo o despertar da trama secundária que está por trás do desejo de engolir coisas depois da gravidez é mal trabalhado e muito menos interessante do que a inadequação e a falsidade daquele jogo despertado pelo primeiro plano do longa. Seria possível estabelecer uma relação entre as duas tentativas de aceitação por parte de Hunter, mas o roteiro do diretor não consegue alcançar esses dois lugares de maneira equilibrada.
Para piorar, a segunda questão, mais polêmica e conflitante, é tratada de maneira rápida e superficial, com pouco ou nenhum cuidado. E é esse o ritmo que Devorar vai adotando para desenvolver os seus conflitos. Chega ao segundo assim e ao terceiro de maneira ainda mais rápida e descuidada, mas ali consegue ser eficiente por encontrar alguma coragem na apressada resolução.
Se falta profundidade, porém, o modo como a estética vai se desconstruindo a medida que a personagem vai se ressignificando é interessante, chegando ao naturalismo no desfecho e universalizando a mensagem que pretende passar.
Além disso, vale destacar o trabalho eficiente da atriz Haley Bennett (a diva pop de Letra e Música), a direção de fotografia de Katelin Arizmendi (Cam) e a direção de arte de Erin Magill (A Maratona de Brittany).
Devorar parte de um lugar interessante para falar de algo que é muito perceptível, atual e tem ótimas intenções visuais, principalmente as mais experimentais. Pena que não se dedica tanto à personagem como faz no começo do longa e perde tempo demais com coisas que não são tão importantes assim.
Um Grande Momento:
O primeiro plano.
[43ª Mostra de São Paulo]