- Gênero: Terror
- Direção: Marco Dutra
- Roteiro: Marco Dutra
- Elenco: Selton Mello, Marjorie Estiano, Danilo Grangheia, Betty Faria, Maria Manoella, Caetano Gotardo, Ricardo Gelli, Gilda Nomacce, Carlos Francisco
- Duração: 128 minutos
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O cinema de Marco Dutra sempre flertou com a estranheza, mas em Enterre Seus Mortos a ambição vai muito além. A primeira cena, um cavalo atravessando um para-brisa, é promessa de mundo em ruína, de um Brasil deslocado da lógica, onde o fantástico invade a rotina. A força desse começo, porém, se dissolve na tentativa de abraçar tudo ao mesmo tempo, de acumular símbolos e metáforas que não conseguem se equilibrar.
Adaptado do romance de Ana Paula Maia, o filme acompanha Edgar Wilson (Selton Mello), herdeiro do ofício alegórico de limpar os restos de uma sociedade apodrecida, ele trabalha recolhendo carcaças nas estradas. Enquanto os animais mortos são recolhidos, uma seita, eco de um país em colapso, se revela. Relações de classe e de limites entre o público e o privado também aparecem como possibilidade, entre tantas outras coisas, O excesso de camadas, ao invés de expandir o enigma, se torna um obstáculo e o filme se perde.
A direção de arte e a fotografia criam atmosferas de suspensão e conseguem fazer o real ser contaminado pela alucinação. Além disso, há momentos interessantes. As chuvas de pedra, a paisagem ressecada e o silêncio que pesa nos corpos sugerem uma distopia muito próxima, num tipo de cinema que instiga pelo que não explica, que deixa para o espectador o desconforto. Se arriscando nesse espaço, Enterre Seus Mortos acerta muito.
Quando o mistério cede lugar à narrativa, em especial com tanta porta aberta, a coisa se complica. A segunda metade do filme busca amarrar o que antes era ambíguo, oferecer explicação onde a dúvida era suficiente. É nessa necessidade de articular o indizível que o filme tropeça. A irregularidade do roteiro pesa, e o pacto inicial com o espectador – de sustentar a vertigem sem garantias – acaba quebrado.
No entanto, é impossível ignorar a ousadia do projeto. A mistura de faroeste, alegoria, horror e distopia expõe uma vontade de pensar o Brasil em ruínas, de transformar em cinema o que se naturaliza no cotidiano. O corpo de Selton Mello, em exaustão permanente, carrega a tragédia de um país que insiste em enterrar seus mortos sem nunca elaborar o luto.
Enterre Seus Mortos é um filme irregular, mas sintomático. Ele mostra tanto a potência quanto os limites de um cinema de horror contemporâneo que decide se lançar ao delírio. Fica a sensação de que a promessa do começo não se cumpre por inteiro, mas também a certeza de que esse incômodo pode nos lembrar que a estranheza ainda pode ser ferramenta de leitura para um país que se acostumou demais com a barbárie.
Um grande momento
Eu vim pegar o cavalo


