- Gênero: Suspense
- Direção: Kevin Macdonald
- Roteiro: Michael Bronner, Rory Haines, Sohrab Noshirvani
- Elenco: Tahar Rahim, Nouhe Hamady Bari, Jodie Foster, Shailene Woodley, Clayton Boyd, Denis Ménochet, Pope Jerrod, Daniel Janks, Ralph Lawson
- Duração: 129 minutos
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Estreando com atraso no Brasil, ainda bem que O Mauritano é um filme que independe da temporada de prêmios pra se realizar enquanto cinema. Indicado a 5 BAFTAs (o Oscar britânico) e vencedor de um merecido Globo de Ouro de atriz coadjuvante para Jodie Foster, o longa de Kevin McDonald baseado em absurdos eventos reais é uma obra sóbria e envolvente que não chega a ser um “filme de tribunal” nem um “filme de investigação”, mas que utiliza elementos desses subgêneros para construir sua base sólida de sustentação narrativa, onde o próprio cineasta dispõe de recursos anteriores para entregar um ofício relevante.
Baseado nas memórias escritas pelo próprio protagonista, o filme acompanha sua jornada de anos de injustiça. Visto como suspeito de ligação com os atentados às Torres Gêmeas no 11 de Setembro, Mohamedou Ould Slahi é detido dentro da própria casa, na Mauritânia, levado até a prisão de Guantanamo, onde passa mais de uma década à espera de ser acusado ou julgado por algo que nunca é esclarecido. Com essa base sendo acompanhada em desenvolvimento linear, o filme mapeia a ação de cada um dos acontecimentos que compuseram esse erro histórico da justiça americana, que também escancarou os abusos e torturas cometidos em uma das prisões mais famosas do mundo, fama essa proveniente de casos parecidos com esse.
Macdonald venceu o Oscar pelo documentário Munique, 1972: Um Dia em Setembro há 20 anos atrás, se divide entre biografias em caráter ficcionalizado como essa e o lugar onde sua trajetória como cineasta começou. A esse filme em particular ele concebe imagens muito fortes com a ajuda do fotógrafo Alwin H. Küchler (de Steve Jobs) que emulam a experiência documental em pontos nevrálgicos da narrativa, que passeia pela memória do personagem central à medida em que ele progressivamente se abre ao que sofreu. Como um pesadelo muito tátil que reverbera em suas lembranças, o filme recria o horror de algumas passagens com se flagrasse as mesmas em tempo real, tamanha a veracidade.
O Mauritano acaba por passear por duas searas muito extremas de cinema, entre a abordagem ultra realista e crua de atos de violência aguda e uma espécie de ode ao onírico das imagens, tratando suas cores em dois polos distintos, entre a escuridão profunda e a luminosidade vibrante. Um trabalho de captação de profunda inteligência cênica, que nos aprisiona junto ao personagem central a uma realidade que, em seus devaneios, ele consegue se libertar (no que pode estabelecer um paralelo com o Birdy de Alan Parker). No belo trabalho de montagem de Justine Wright (colaboradora habitual do diretor) o filme empreende um ritmo preciso, que tanto avança quanto amansa uma narrativa que o espectador precisa identificar empatia.
Tal material é conseguido pela incorporação de Tahar Rahim (de O Profeta) e da relação sensorial que ele estabelece com a personagem de Foster. Vencedora de dois Oscar, a atriz é a imagem do caráter e da assertividade ao interagir com aquele homem suspeito, servindo como bússola moral na qual o espectador deve confiar, e reverberando suas certezas e eventuais dúvidas com competências iguais, graças ao imenso talento de sua intérprete. Mas a humanidade, o coração, a grandiosidade do filme reside em Rahim, um ator que raramente é exigido nesse campo, o da identificação empática, e aqui exala frescor, naturalidade e magnetismo; quando em cena, não conseguimos tirar os olhos de seu sorriso, de seu corpo entregue ao personagem, até do seu medo e da sua desconfiança, um trabalho de muita entrega.
Em trabalho conjunto de excelência de seu elenco, O Mauritano é um caso de acerto da seriedade de um projeto em meio ao cinismo do mundo que é cooptado por tantos cineastas hoje, tais como Aaron Sorkin, Adam McKay e David O. Russell. Diante de um autor tão comprometido com a clareza de suas imagens e mensagens, o filme acaba confirmando-o como uma rara peça que hoje utiliza a linguagem clássica-narrativa para subverter seus planos, sempre inspirados no real. Aqui nessa produção, essa mistura acaba sendo a mais acertada possível.
Um grande momento
No banho de sol, Mohamedou parece voar