Crítica | Streaming e VoD

Sorte de Quem?

Neo-noir inchado

(Windfall, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Suspense
  • Direção: Charlie McDowell
  • Roteiro: Charlie McDowell, Jason Segel, Justin Lader, Andrew Kevin Walker
  • Elenco: Jason Segel, Jesse Plemons, Lily Collins, Omar Leyva
  • Duração: 92 minutos

Charlie McDowell estreou na direção de longas com um fascinante conto, Complicações do Amor, daquelas experiências que, mesmo anos depois, ainda devemos respeitar o conceito de spoilers por trás da obra. Contando com apenas dois atores em cena na ocasião, não poderíamos desconfiar que, ao adicionar somente mais um ator a um novo filme, o projeto não esbarra no mesmo volume de acertos. Sorte de Quem?, estreia de hoje da Netflix, talvez ganhasse pontos se pretendesse um curta metragem; como longa, o fôlego se esgota simplesmente porque a situação não tem desdobramentos possíveis, ou não os apresenta.

Sorte de Quem? tem uma abertura fascinante, que nos remete intimamente a um conceito de longa noir enxuto, pela forma como vasculha seu espaço cênico, seu sucinto grupo de personagens e sua premissa se revela, sempre à espreita. O fotógrafo Isiah Donté Lee tem mais experiência com curtas do que com longas, mas exibe vigor ao captar suas imagens, ao mesmo tempo em que passeia sem pressa pelo cenário restrito e suas adjacências. A direção de arte de Andrew Clark escaneia o vazio dos três tipos em cena através do universo concebido, uma casa sem vida rodeada por um quintal que tenta iluminar aquela existência estéril. Não à toa, o valor dado ao jardim será um dado pertinente ao longo da narrativa.

Não há identidade aos personagens, eles são estereótipos do que já vimos em tantas produções, e esse é mais uma contribuição de uma espécie de releitura do noir, gênero que tanto trabalha com símbolos. Em cena, temos o homem pobre em busca de compensação; o homem rico em busca de satisfação; a moça que vive pé lá e pé cá nos dois mundos, em busca de compreensão. Estabelecidos seus arquétipos, o filme delineia a interação entre eles de maneira esperada, quase como se precisasse apenas transmitir os resultados de outrora. Ao contrário de uma releitura mais “tradicional”, como O Beco do Pesadelo, aqui deveríamos enxergar uma base menos óbvia, o que não acontece.

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Sorte de Quem?
Netflix

Não se trata apenas de reconhecermos todos os passos do filme por conta da leitura exata que o roteiro nos dá de suas personas. Escrito a oito mãos (McDowell, o protagonista Jason Segel, mais Justin Lader e Andrew Kevin Walker), o filme não foge do que se desenha e além de tudo desenha pouco. Ou seja, não há material suficiente para sua duração, e isso tira do filme sua carga de adrenalina. São dois dias onde três pessoas precisarão passar juntas, e uma sequência ao ar livre faz a exata leitura: eles não estão afim de conversar uns com os outros. Isso impregna todos os cantos do projeto, que não consegue capturar o espectador de volta depois que o perde.

A belíssima trilha sonora, composta por Danny Bensi e Saunder Jurriaans (de O Diabo de Cada Dia e O Chalé), desde o plano inicial nos transporta para a atmosfera dos anos 50 e envolve a produção como um todo. Pontuando e demarcando a aura de gênero, nem mesmo sua formidável moldura consegue ser suficiente para nomear o título como imprescindível ou acima da média. Aos poucos, ainda que tecnicamente soe como relevante, sua narrativa vai deixando de se mostrar atraente, com essa dubiedade entre renovar um segmento com o máximo em tradicionalismo.

O trio de protagonistas é exemplar. Tanto Segel (de O Fim da Turnê) quanto Lily Collins (de Mank) se mostram muito à vontade em suas funções dentro desse exercício de revitalização – o vilão de bom coração e a femme fatale. Mas é, mais uma vez, a presença de Jesse Plemons (indicado ao Oscar por Ataque dos Cães) que eleva o material, como geralmente ele o faz. Quando o personagem de Segel o define, na reta final do filme, temos vontade de irromper pela produção para gritar o quão reducionista aquela definição soaria. No mínimo é injusto com o tanto de camadas que o ator empresta àquele adorável filho da mãe, um dos brilhos maiores de Sorte de Quem?.

Um grande momento
O homem branco

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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