Crítica | Streaming e VoD

O Vilarejo

Tradição

(ヴィレッジ, JAP, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Suspense
  • Direção: Michihito Fujii
  • Roteiro: Michihito Fujii
  • Elenco: Ryûsei Yokohama, Haru Kuroki, Wataru Ichinose, Shidô Nakamura, Arata Furuta, Naomi Nishida, Ryûto Sakuma, Daiken Okudara, Hana Kino
  • Duração: 120 minutos

Quando o filme é bom, não importa que já tenhamos acompanhado aquela premissa antes: isso é verdade? Veja o caso de O Vilarejo, por exemplo, drama japonês recém-lançado pela Netflix. O filme aponta para um lugar que todos nós já vimos antes: ascensão e queda de um tipo mundano. É daquelas produções onde, para o bem e para o mal, um bode expiatório é eleito para que todos os raios caiam sobre ele. Também já vimos esse filme, mas a reunião dessas narrativas, que geralmente andam acompanhadas, é o mote para uma discussão repetida que não envelhece, sobre ética, honra e lealdade. E nenhum outro país é melhor para contar história sobre esses valores do que o Japão, que respira tudo isso desde o nascimento, e muitas vezes essa ideia é uma questão de vida ou morte. 

Escrito e dirigido por Michihito Fujii, O Vilarejo é uma produção que se comunica demais com os valores de um povo, e que o Ocidente observa com curiosidade e uma certa inveja daquela intensidade. Porque significa de verdade quando eles declaram algo, não soa como leviano, tendo em consciência de que hoje em dias as pessoas falam “eu te amo” com dois meses de conhecer alguém. O filme já abre com a confirmação desse lugar, quando vemos uma pessoa tacando fogo no próprio corpo, e na casa onde está. Aos poucos, vamos entender que essa pessoa foi considerada desonesta e assassina e por isso cometeu tal ato. A vida de sua família perece por isso, e o lugar onde moram se enterra junto com a central de coleta de lixo que foi instalada por lá. 

O filme trata essas encruzilhadas de uma sociedade com o respeito que a cultura japonesa exige. E reflete nisso indo beber na tradição cultural do teatro musical de máscara conhecido como Noh, por exemplo; gostaria que essa ideia fosse mais aproveitada pela narrativa, incluindo a situação no roteiro e não sendo uma válvula de escape rápida. Poderia ter aumentado a ambiguidade de um personagem rico como Yuu, e sua relação com Kokichi sair enriquecida. Do jeito que é mostrado, esse é um ponto de desperdício em O Vilarejo como outros, porque o filme parece interessado demais em promover uma espécie de manutenção de clichês. Se faz isso de maneira muito acertada, imaginem o que não faria ao promover mais os aspectos psicológicos de um grupo de pessoas, principalmente seu protagonista. 

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O espelho do que seu trio de protagonistas foi no passado continua refletindo no hoje, e talvez esse seja o aspecto mais apetitoso de O Vilarejo. Temos três personagens, que cresceram juntos e mantém no reencontro a mesma aura do que eram no passado. Mesmo depois de adultos, Yuu, Misaki e Toru ainda resguardam suas personas intactas. Ainda que nunca vejamos o que seria uma primeira fase do trio, sabemos que eles não mudaram pelo que falam, pelo o que os outros comunicam. O amor de outrora volta, o ódio também… e dessa vez, ações adultas e sentimentos ainda mais enraizados os transformam. Em determinado momento, Toru fala para Yuu que simplesmente não consegue esquecer; porque algumas pessoas invejam outras, mesmo que sejam infinitamente mais poderosas? Isso é um gatilho de dramaturgia que nunca é totalmente explicado, mas que sempre surte efeito. 

Com uma direção discreta de Fujii e um encaminhamento mais do que esperado – até quando parece que irá fugir dos chavões, o filme volta a eles – O Vilarejo nos ganha pela forma como tudo ali é meticulosamente reproduzido. Um elenco soberbo desenvolve o que vemos (o trabalho de Ryûsei Yokohama é especial, engloba muitas camadas), e fica mais fácil comprar o trabalho como um todo. É uma sensação boa a que fica no espectador durante a produção, ao percebermos que tudo se encaminha para o lugar imaginado, mas que não tinha como ser diferente mesmo. Por duas horas vemos aquele grupo de pessoas se digladiar por algo que está no fim, que é um conceito de futuro pavimentado no arcaico. O que pode florescer sendo fruto da escravidão, da exploração humana, da doença? 

Um grande momento

A primeira noite dos protagonistas

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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