Crítica | Catálogo

O Colibri

60 anos em 2 horas

(Il colibrì, ITA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Francesca Archibugi
  • Roteiro: Francesca Archibugi, Laura Paolucci, Francesco Piccolo
  • Elenco: Pierfrancesco Favino, Bérénice Bejo, Kasia Smutniak, Nanni Moretti, Laura Morante, Sergio Albelli, Benedetta Porcaroli, Alessandro Tedeschi, Rausy Giangaré
  • Duração: 120 minutos

Lançado há meros quatro anos, o livro escrito por Sandro Veronesi que deu origem a esse O Colibri que acaba de chegar aos cinemas tem estrutura parecida com o que é montado aqui no roteiro escrito a seis mãos. Essa talvez seja uma das magias, um dos resultados de seu sucesso e dos prêmios que levou, mas também esse é um modelo de estrutura literária que dificilmente comporta uma adaptação cinematográfica. A começar pelo fato de que um livro sempre terá mais cobertura temporal que um filme, a julgar pelo progresso fabular que impregna no leitor, ao contrário do espectador. Não demora a compreender o que deu certo no livro, no filme soa desestruturado, embora as intenções sejam as melhores possíveis.

Francesca Archibugi é a diretora e roteirista responsável pela adaptação. Não sei se tem como culpá-la por alguma coisa no resultado final, sendo que se a narrativa fosse desmontada e se tradicionalizasse, O Colibri seria algo absolutamente prosaico e sem qualquer diferencial. O que a diretora faz é manter a ideia do livro, e criar esse grande mosaico sobre a vida do personagem-título, que deixa o público sem parâmetros, por muitas vezes. O que deveria interessar e servir como chamariz acaba afastando, já que não conseguimos criar empatia com o arsenal de tipos que passam em tela. São muitos personagens, por um período muito grande de tempo, vivendo conflitos muito profundos desenvolvidos de maneira prosaica. 

O Colibri
Enrico De Luigi

O que deu certo em outros roteiros, aqui é mais um ponto contra a adesão. Vide o igualmente familiar Criaturas do Senhor, cujas elipses emocionais são bem-vindas dada a concentração de detalhes, de tempo e de suas motivações; em O Colibri, a ideia épica de contar toda a vida de alguém, de sua infância à velhice, deveria abrir mão de simplicidade. Nesse sentido, o caráter ‘maior que a própria vida’ faz com que soe canhestro o filme abrir mão de passagens que são caras ao desenvolvimento do emocional daquele grupo de pessoas, unido por eventos trágicos que simplesmente acontecem uns após os outros. Entendemos os pontos que os unem, mas é tudo tão intenso e atropelado, que lá pelas tantas, não importa muito quem está vivo ou não, quem está doente ou não. São apenas eventos, e que venham os próximos. 

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E nada pode ser pior do que uma narrativa que se desenvolve através de afetos, de amores e da união familiar do que não nos importarmos com tais motivadores, porque nada foi criado com a intenção de que nos importemos, dadas as correrias desabaladas. Em uma cena específica, quando um casal de adolescentes se reencontra já adulto, e eles somente ficam um tempo deitados abraçados, a câmera percorre seu movimento pela cama, e o que já sabíamos previamente desse encontro, mostra que o filme tinha ferramentas para fazer dar certo. Mas, como uma narrativa dessas esticada, onde camadas e mais camadas de famílias, e angústias históricas, e dores ancestrais, desaguam toda em uma única pessoa, e tudo isso precisa estar em tela para justificar a profusão de tragédias, em determinado momento, tudo soa apenas indolor. E nem vou citar uns personagens envelhecerem mais rápido que outros, com uma atriz (Fotini Peluso) fazendo a mesma personagem mais ou menos dos 14 aos 25 anos.

O Colibri
Enrico De Luigi

O Colibri, como uma boa família italiana, é cercado desses excessos de informações, de vertentes a serem descobertas, pinçadas dos anos 1970 aos 2020, e nem tinha como dar certo mesmo todo esse compacto de eventos em apenas duas horas de projeção. Tivesse sido comprada como uma adaptação para a HBO, ganharia uma sacola cheia de Emmys e estaria em muitas listas de adaptações cheias de curvas para criaturas que precisavam de mais do que lhes foi dado para florescer. O que vemos parece uma versão dos “melhores momentos” de alguma boa história familiar, que entreouvimos em alguma viagem, mas que infelizmente não conseguiremos pegar todos os detalhes. Fica um arremedo de fatos e fofocas, tristezas e amores não correspondidos, mágoas e culpas, jogados ao léu para que alguém em algum momento consiga cooptar.

Pierfrancesco Favino, em grande momento da carreira e super premiado em O Traidor, Irmãos à Italiana e Nostalgia, tem mais uma delicada participação aqui, e também a ele O Colibri devia mais, tendo em vista que sempre que acessado, o ator entrega o melhor. Impressiona o que ele consegue nos últimos minutos, embaixo de uma maquiagem das mais pesadas já vistas, elaborar uma carga de emoção equivalente a quem viveu de verdade uma vida repleta de sacrifícios. Seu olhar desolador pedia um filme ao seu redor que fizesse jus a essa sua entrega final, e nos conseguisse mais que arrebatamento frívolo que o espectador alcança aqui. 

Um grande momento

Marco e Luisa se reencontram, na cama

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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