- Gênero: Terror
- Direção: Sean Byrne
- Roteiro: Nick Lepard
- Elenco: Jai Courtney, Hassie Harrison, Josh Heuston, Ella Newton, Liam Greinke, Rob Carlton
- Duração: 95 minutos
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Alfred Hitchcock dizia que, por mais surpreendente que fosse uma narrativa e mesmo seu ponto de virada, um autor e seu filme jamais deveriam enganar o espectador. Isso não é raro de acontecer, e muitas vezes nem há uma tentativa de disfarce; a cara de pau é mais forte para tentar fazer o público de idiota. Animais Perigosos tem um trailer, uma ideia-base que é vendida para o fã de filme de gênero, e um preâmbulo que carrega o espectador para um determinado ponto – até tornar claro o seu tema. Ao contrário da introdução do meu texto, em nenhum momento o que estamos vendo nos causa engano proposital. O que acontece é uma constante ressignificação do que está sendo mostrado e tratado, que muito rapidamente revela que sua origem exposta no título é múltipla, não guarda um único sentido. O que se segue a partir desse descortinamento mobiliza o público a constantemente refazer os cálculos da trama.
Portanto, estamos diante de um projeto que não somente é mais sofisticado do que se vendeu, como também acredito ter consciência disso – o melhor, é um daqueles casos onde a autoconsciência não prejudicou seu resultado. E isso acontece por que não há qualquer arrogância na posição de seu realizador, Sean Byrne, que tem ao menos uma obra imensa anterior (The Loved Ones), pelo contrário, sua malícia aqui inclusive é, propositadamente, impedir que o filme, apesar da sofisticação, não sucumba a ela. E isso é feito quando o roteiro de Animais Perigosos concebe ao mesmo tempo saídas impressionantes para seu jogo, e na cena seguinte aposta quase no gonzo explícito, ao submeter seus personagens a sacadas idiotizadas.
O verniz empregado em Animais Perigosos está presente na construção de tipos que até podem ser arquetípicos, mas cujo relevo de cada um insere um novo olhar para o que estamos assistindo. Não são apenas os típicos ‘mocinhos e bandidos’ tradicionais (e tanto um lado dos grupos quanto o outro possuem peões a mais do que se imagina), como o filme nos mostra lados inconclusivos, o que propõem um aprofundamento extra no que se vê. Vejam o exemplo de Zephyr, uma personagem central que parece fugir do que se imagina como uma saída romântica repleta de química, em uma performance descuidada com a responsabilidade afetiva que claramente se formou ao seu redor. Isso é o suficiente para que desejemos mal a ela? Não, mas existe uma lição a ser aprendida diante da forma como ela age. E assim o filme nunca deixa de mostrar uma superfície de contínua modificação no que se vê e como se é.
Logo, se alguém estava esperando uma ideia parecida com a de tantos outros ‘filmes de tubarão’, que desde 1975, com o homônimo filme de Steven Spielberg, inauguraram uma espécie de franquia involuntária a respeito da relação de horror entre humanos e animais, pense de novo. Porque os bichos aqui são coadjuvantes em uma história bem menos manjada, do que imaginamos ao encarar o poster e o trailer dispostos aqui. E isso não os carrega para fora dos perigos do título, mas amplia o escopo do olhar para um lugar onde o risco é assimilado pela realização para fora do mar. E o próprio filme apresenta um desenvolvimento onde os Animais Perigosos podem ser todos em cena, incluindo os tubarões. Byrne é exímio em criar a ambientação adequada para cada sequência, e em alimentar sua tensão ao não parar de envolver o espectador em um clima que se alimenta da inconstância de situações.
Toda a dedicação de Byrne com a narrativa, o roteiro de Nick Lepard (seu primeiro, e já engatou o próximo filme de Oz Perkins na sequência, Para Sempre Minha) acaba se mostrando menos preocupado do que poderíamos esperar de uma produção que propõe mais do que o mercado exige. Nesse sentido, Animais Perigosos mostra que tem uma ligação forte com a galhofa, quando algumas situações são resolvidas com um pensamento ambicioso de estrutura, e outras estão menos buriladas, quase em busca cômica pelo seu absurdo. Quando essas suas vertentes se encontram, e o filme mostra que a ideia nunca foi exatamente sisuda para essa qualidade evidente, o filme abraça tal leveza de movimentos e o espectador mais atento se deixará levar pela experiência do momento, e aí o filme se estabelece nesse lugar de entretenimento qualificado.
Byrne e Lepard ainda brincam com o suporte do cinema enquanto material de invenção do próprio roteiro, ao mostrar as intenções de seu vilão, e conseguir unir essas ideias às que o próprio Animais Perigosos lança. Trata-se de um filme que observa seu gênero não apenas para reproduzi-lo, mas cuja reverência é feita expondo o caráter do espectador, em sua sanha voyeurística: não apenas olhar, mas principalmente não conseguir parar de olhar. Isso é a matéria prima da arte, e também o modus operandi do personagem, com o qual o filme defende de maneira inteligente. Sem deixar o clima cair para a teoria cinematográfica, o que a produção está constantemente é apresentando mais motivos para elevar o prato oferecido ao espectador, ao mesmo tempo em que tenta mostrar que nada é para ser levado muito a sério. É só o cinema fazendo a sua parte.
Se Hassie Harrison desempenha à perfeição o complexo papel de mulher solteira e madura com os próprios sentimentos e que se mete em uma enrascada justamente por escolher a liberdade, seu nêmesis vivido por Jai Courtney é excepcional em cada cena. Apresentado em um passado não muito distante com uma proposta de galã, Courtney está prestes a completar 40 anos se reinventando como ator, ao mostrar uma linguagem cênica absolutamente livre em uma das performances mais divertidas e corajosas da temporada. Se houvesse justiça no mundo, interpretações em cinema de gênero teriam o valor merecido, e ele é mais uma dessas entregas que farão falta à lista de melhores do ano. O brilho que Animais Perigosos alcança também é um mérito dele, e de sua interação com Harrison, mostrando que presa e fera estão sempre a um passo de distância uma da outra, onde às vezes a força é dispensável na lei da selva.
Um grande momento
A montagem na cena da revelação do armário de Tucker


