(Remoinho, BRA, 2020)
A vida é cheia de retornos. Da palavra que nomeia mas não é dita à imagem que está entalhada na pedra, vidas se transformam em movimentos espirais que levam de volta a um lugares deixados para trás. Remoinho, de Tiago A. Neves, acompanha esse retorno de Maria à casa da mãe. Sem determinar personalidades, origem ou usar qualquer elemento de identificação além de um pedido de comida e um chip pela janela, a história daquela mulher é entregue ao espectador.
Silenciosa, angustiantemente silenciosa, sentimos a dor/vergonha/fracasso daquela mulher por ter que retornar ao início da jornada. Neves quer impressionar com planos, destacando justamente seu silêncio. A câmera de Erik Clementino passa pouco tempo longe da atriz Cely Faria. Por vezes erra no enquadramento quando homenageia um cinema de destaque e nem todas as escolhas têm função.
![Remoinho](https://cenasdecinema.com/wp-content/uploads/2020/09/remoinho_interno2-1.jpg)
Mas o que se extrai daquilo que se vê traz tanto dúvida quanto identificação. Maria são muitas e muitos que precisam retomar suas jornadas do princípio. Além do voltar à casa da mãe, outras questões se estabelecem, como a relação com o próprio espaço no mundo, o não-pertencimento e a própria maternidade. “Você foi embora e nunca mais deu notícia”, diz a mãe sem nunca deixar de acolher novamente à filha. Porém, não sem a estranheza natural do afastamento. Isso não fica claro apenas na chegada, mas na própria mise-en-scène em contraposições no espaço cênico, posicionamentos dos corpos e em enfoques e profundidade.
Indo para o pessoal, individual, a questão do espaço, de um lugar onde não se sente confortável e de onde quer fugir ganha cenas específicas, quando traduz desejos em forma de caixa de música ou quando os expõem oralmente. Não que fosse necessário, porque a Maria de Faria deixa isso claro antes mesmo de descer do ônibus. Um outro desconforto da personagem está na relação com o filho. Nada daquilo a faz feliz, mas há todo um peso social que a fez chegar até ali. Remoinho não julga sua personagem, faz com que as escolhas sejam exclusivamente dela. Que não está feliz, não sabe se vai ficar, mas quer tentar.
![Remoinho](https://cenasdecinema.com/wp-content/uploads/2020/09/remoinho_interno1.jpg)
Outra aposta do curta é no tempo das cenas, quase todas entregues às interpretações não só de Faria, mas também de Zezita Matos, como a mãe, que é quem preenche o espaço com palavras, em passagens que poderiam ser monólogos se a postura corporal de sua interlocutora não fosse tão específica. Mas o filme poderia ficar aí, não precisava inventar novas interações apenas para justificar a explicação de um elemento já óbvio.
Remoinho é um filme irregular, mas tem essa força de perturbar com o silêncio de sua protagonista. Aquela história que acompanhamos se constrói em cima da vivência de cada um dos que assistem ao filme e das concepções que têm do mundo. É um cinema que contraria a tendência de buscar sempre pela força da palavra. Ainda que se atrapalhe no caminho, encontra certa potência.
Um grande momento
E o pai?