Crítica | Festival

Animais na Pista

Determinação incômoda

(Animais na Pista, BRA, 2020)

  • Gênero: Ficção
  • Direção: Otto Cabral
  • Roteiro: Otto Cabral
  • Elenco: Kassandra Brandão, Thardelly Lima, Servilio de Holanda, Giovanni Sousa, Flávio Melo, Omar Brito, Paulo Philipe, Flávio Freitas
  • Duração: 9 minutos
  • Nota:

E no dois o homem luta entre coisas diferente,
Bem e mal, amor e guerra, preto e branco, bicho e gente
Rico e pobre, claro e escuro, noite e dia, corpo e mente.

Paulo Coelho e Raul Seixas

Dicotomias sempre tão fáceis, mas sempre tão complexas. Daquilo que se enxerga, são os dois pontos mais evidentes que nos chamam a atenção. O lado A e o lado B, o admirável e o repugnante, o certo e o errado. Animais na Pista é baseado em “Relato de ocorrência em que qualquer semelhança não é mera coincidência”, conto de Rubem Fonseca. Diferente das páginas, que dão os fatos e dele se afastam para deixar o trabalho de decisão aos leitores, o curta de Otto Cabral prefere assumir a sua própria interpretação da história.

Com uma percepção espacial apurada, num trabalho bem interessante de construção de sentidos, algo que vem destacando o cinema paraibano no cenário brasileiro e reafirmando-o como principal polo do novo cinema fantástico do país, Animais na Pista atira o espectador no meio do nada e vai ambientando-o no meio do caos, o conhecimento é simultâneo e isso se dá na captura discreta de sons ambientes, na trilha musical crescente e numa câmera inquieta que propositalmente não sabe para onde olhar.

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Essa subjetividade da lente, perdida assim como o espectador, vai apresentando novos elementos, personagens que pendem a balança dicotômica para o caminho do diretor e, ao mesmo tempo, elaboram um caminho rumo à explicação de seu vaguear flutuante. A forma impressiona pela complexidade das fotografia de Rodolpho de Barros e som da dupla Bruno Alves e Jack Morais.

Animais na Pista ganha muitos pontos por essa construção estética. Ela é fundamental para a imersão, sem nenhuma dúvida, mas o que está por trás incomoda. Ao privar quem assiste ao filme de outros vieses de um mesmo fato por sua mão pesada na determinação, Cabral diminui o impacto da obra. Há uma grandiosidade eliminada, por exemplo, quando todos agem da mesma forma, sem que se distinga ali nenhum dos envolvidos.

Os gritos nas linhas de Fonseca de “não pode, não pode” têm a função de, justamente, criar uma outra realidade que o filme prefere não dar muita atenção, embora esteja ali porque a realidade não some, mesmo que para ela não se olhe direito (Brasil, aqui estamos nós). Mas há julgamentos, na postura inicial de uns e outros personagens e no desfecho, que visualmente funciona muito bem, porém, traz com ele a grande e embaraçosa questão.

Se compreendêssemos, nunca mais poderíamos julgar.

André Malraux

Um grande momento
Chegada ofegante

[24ª Mostra de Cinema de Tiradentes]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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