Crítica | Streaming e VoD

Rumspringa

Hora de colocar os meninos pra chorar

(Rumspringa, ALE, 2022)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Mira Thiel
  • Roteiro: Nika Heinrich, Oskar Minkler, Mira Thiel
  • Elenco: Jonas Holdenrieder, Timur Bartels, Rauand Taleb, Gizem Emre, Tijan Marei, Adél Onodi, Matthias Bundschuh, Nicole Johannahanwahr
  • Duração: 101 minutos

Em seu clímax, Rumspringa – estreia de hoje da Netflix – harmoniza seu “casal principal”, Jacob e Alf, dois homens heteros e um deles amish, utilizando como foto de fundo um casal hetero, feliz e velho. Durante toda a projeção o filme deixa de maneira sutil como tudo é substituível e precisa ser; quem ama o passado e não vê que o novo sempre vem, está condenado ao fracasso. E não é só de maneira etária que a discussão está na pauta do dia, mas principalmente na discussão dos valores, na releitura dos signos de afeto, e principalmente na reorganização cinematográfica. Afinal, isso aqui é um filme, não é mesmo? Está na hora de uma mulher falar sobre a força feminina e sobre a queda do homem.

Mira Thiel tem 44 anos e também está aprendendo, junto de Jacob e Alf. Sua direção aqui nessa comédia alemã cheia de elementos inusitados (a começar pela própria cultura amish, integrada ao cinema tão poucas vezes, mas popularizada em A Testemunha) é segura na criação da sutileza até para representar a comédia, mas um pouco mais precisa nas relações humanas. A forma como lê cada um dos personagens principais é uma qualidade que acaba por embaçar as bases da narrativa, de maneira proposital. Temos, enfim, alguém disposto a deixar clara as diferenças entre os sexos na sociedade atual, mesmo que seja uma desconstrução essencialmente masculina.

É, acima de tudo, muito corajoso que Thiel se dedique a essa ideia, em pleno 2022, onde parece sempre pernóstico e digno de chacota esse tipo de declaração, mesmo que as intenções dela tenham sido as melhores. Correm o risco de serem cancelados filme, diretora, crítico, site que publicou o texto e até os descendentes de cada envolvido. Mas… não há o direito de ser feita uma análise sobre uma possível mudança de hábitos em uma sociedade machista como a nossa, que, ainda que esteja focando em dois sujeitos específicos, podem representar uma quebra de olhar? Afinal, é o Cinema… nunca é sobre João ou Maria, e sim sobre toda a sociedade representada em João e Maria.

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Rumspringa
Netflix

Em tempos onde tudo se resume a “textão do facebook” e “retweet”, Rumspringa se arrisca a cair em desgraça não pelo que fala, mas pelo que representa. Uma nova horda de homens, mais frágeis e inseguros, sem qualquer voz ativa, abaixo das decisões de quem tomou o poder (as mulheres, lógico) precisa ser escarafunchada e, através da dissecação do macho – que vem perdendo sua categoria alfa -, encontrar as respostas sobre como recuperar esse poder perdido. Temos aí então líderes covardes que protegem seus filhos igualmente covardes, governantes que promovem guerras e explodem cidades, campeões de realities manipuladores, tudo para justificar suas derrotas de gênero, na base do grito e do beicinho?

A base de homens como os citados acima está em figuras como Alf e Jacob, que talvez não reconheçam mais o seu lugar de privilégios, que foi tomado pela nova ordem. Nada mais sintomático do que o protagonista do filme de Thiel vir de um grupo religioso que baseia suas relações e seu modo de vida em costumes oriundos do século 19 – ou seja, são a clara representação de um museu vivo. Quando esse homem sai de uma concha segura e se aventura em um mundo do qual nada sabe, cria-se então o conflito com a inexperiência do ineditismo. Homens que precisam de mulheres (que, sob qualquer aspecto, são superiores em praticidade a eles) para mover suas parcas ambições, até mesmo para ganhar dinheiro.

É uma pena que Rumspringa não tenha uma montagem que consiga apresentar, na prática, o que a teoria parece querer levar. O filme recorre a uns flashbacks que não fazem muito sentido quando começam, e saem de cena também sem criar qualquer novo significado; a ideia até é boa, mas na realização só parece bagunçado. Um sem número de elipses, umas bem e outras mal sucedidas, dão as caras em uma produção que poderia investir na narrativa e menos no formato. Tem um recheio bem suculento a ser debatido por baixo do que Thiel apresenta, e até vale a pena olhar adiante para descobrir os escombros de um mundo que a diretora pretende reorganizar.

Um grande momento
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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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