Crítica | Festival

Meu Nome Era Eileen

Quase noir

(Eileen, EUA, 2023)
  • Gênero: Suspense
  • Direção: William Oldroyd
  • Roteiro: Luke Goebel
  • Elenco: Thomasin McKenzie, Anne Hathaway, Shea Whigham, Marin Ireland, Owen Teague
  • Duração: 97 minutos

“Não era nada disso que você estava pensando”. A frase podia ser dita para Eileen, mas pode ser dita para o espectador do longa do diretor William Oldroyd (Lady Macbeth) também. Aquilo que parecia ser um filme de amadurecimento e descoberta se transforma num suspense inesperado. Meu Nome Era Eileen conta a história da uma jovem que está no auge dos seus hormônios, com o desejo à flor da pele. Tímida e sozinha, ela trabalha no presídio da cidade e mora com o pai alcóolico, um ex-policial aposentado que vive dando problema com os vizinhos.

Não à toa a personagem dá nome ao filme. Ela é o centro de tudo e chega a tirar a atenção de qualquer outra coisa que não a envolva. Sua vida pessoal e suas divagações, que por vezes ganham representações gráficas – ótimas, diga-se de passagem –, fazem com que uma trama paralela só se revele quando ela pode participar dela. Entre correlações possíveis, “todo mundo já quis matar o pai um dia”, e a surpresa dos eventos, duas linhas vão transcorrendo sem que uma delas seja exposta.

Com roteiro de Luke Goebel, uma adaptação do livro homônimo de Ottessa Moshfegh, de certo modo, o que o diretor faz é criar um “quase noir“. Ele traz a motivação para um novo contexto, altera a estrutura e reconfigura personas, mantendo arquétipos como a femme fatale Rebecca Saint John, psiquiatra recém-contratada no presídio, vivida por Anne Hathaway (Confinamento). A identificação fica muito evidente na relação de sedução e fascínio que se estabelece entre ela e Eileen, vivida por uma ótima Thomasin McKenzie (Jojo Rabbit). Não há como não perceber outros paralelos após a grande revelação e seu desfecho.

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Embora se possa ver diferença entre os personagens, em especial as duas mulheres, quase nada naquele ambiente é bonito ou glamouroso. São lugares perdidos e tristes, com pessoas igualmente perdidas e tristes. Aqui podemos destacar as participações de Shea Whigham (Até o Fim) como o pai frustrado e Marin Ireland (birth/rebirth) como Sra. Polk, uma das personagens mais desprezíveis dos últimos tempos. A produção é muito cuidadosa e elegante. Além da fotografia primorosa de Ari Wegner, de Ataque dos Cães e O Milagre e a trilha musical de Richard Reed Parry (O Refúgio), Meu Nome Era Eileen conta com direção de arte de Gozalo Cordoba, de Estou Pensando em Acabar com Tudo, e um inspirado figurino de Olga Mill, de Hereditário

Além de toda a qualidade técnica, da habilidade na direção de atores e a manutenção da tensão, Oldroyd tem uma outra história para contar paralela ao suspense. A menina que era definida como uma daquelas que estava ali apenas para ver a vida passar, sem ter nenhuma relevância para o mundo, escolheu, determinou e se tornou a dona do seu próprio destino. Vai se frustrar, é claro – quem nunca –, mas saiu do lugar e conseguiu seguir em frente.

Como é bom assistir a um filme que, por mais que você identifique os signos ou perceba reconhecê-los em algum momento, te leve a lugares que você não esperava. Meu Nome Era Eileen vai se montando na quebra de expectativas, e mesmo os caminhos que escolhe seguir dão qualquer dica de onde poderia chegar. Pena para Eileen, a menina, descobrir daquele jeito que não era nada disso, mas, para o espectador, não tem nada melhor.

Um grande momento
Revelando onde elas estão

[Sundance Film Festival 2023]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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