Crítica | FestivalMostra SP

Lua Vermelha

A dor de todos

(Lúa vermella, ESP, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Lois Patiño
  • Roteiro: Lois Patiño
  • Elenco: Rubio de Camelle, Ana Marra, Carmen Martínez, Pilar Rodlos
  • Duração: 84 minutos

Em uma cidade, algo acontece. Pessoas morrem. O luto se instala como o habitante mais proeminente do local. Parece que está com todos, em todos os lugares. Não silencia, não afeta, mas paralisa, congela, impede que a vida prossiga. A lua vermelha chega e talvez traga com ela a libertação.

“A gente teve um momento de luto coletivo, a gente teve um momento de sofrimento coletivo, a gente teve um momento de estresse coletivo também.”*

O diretor Lois Patiño é alguém que sabe impressionar com suas imagens que casam a grandiosidade da natureza e a vaziez da morte. Foi assim com Costa da Morte e é assim com esse Lua Vermelha. Em seus planos abertíssimos e seus corpos estáticos destaca o discurso dos personagens que nos contam a história.

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Lua Vermelha (2020)

A abertura dos planos se altera o à medida que se afasta do natural e se aproxima da cidade. Ruas, bares, bazares, calçadas, casas. Ali há outro tempo, outra ausência, um outro observar. A mãe de Rúbio, por exemplo, merece plano-detalhe. Afinal de contas, ela simboliza a maior de todas as ausências possíveis.

Ar no ar
Água na água
Lua vermelha
Feiticeiras, chamo por vós
Que meu filho venha

Patiño mescla o concreto e o metafísico, o espiritual como solução para a paralisia, porém, ao mesmo tempo, não limita a interpretação de Lua Vermelha. Do delírio de um à crença de vários, o que se tem de concreto são as mortes, a cidade paralisada, a informação de um crime ambiental com a construção de uma barragem – conhecemos bem esse tipo de coisa aqui no Brasil – e um fenômeno astronômico prestes a acontecer. 

Lua Vermelha (2020)

Como numa rede de pesca amarra imagens e palavras, deixando a interpretação ser fisgada. Assim como são fisgadas as três bruxas que vagueiam entre a cidade de estátuas vivas, fantasmas aparentes e corpos no mar. É tudo tão poético e bonito na construção de Patiño, que também assina a fotografia do longa, que é impossível não mergulhar em seu universo mítico.

Lua Vermelha mescla crenças populares – aqui podemos voltar aos Batammaliba e seu momento de solução e união – a sentimentos humanos conhecidos como o luto coletivo, natural de fatos conhecidos que geram inações tão bem representadas por Patiño, no ambiente sendo maior que o ser, no pensamento sendo possível, mas não sua ação. Mas a vida continua…

“A dor, ela não vai acabar. Ela não vai deixar de existir.”*

*Citações de Melissa Haigert Couto, psicóloga da Cruz Vermelha que trabalhou com os moradores de Santa Maria após o incêndio da Boate Kiss

Um grande momento
Nem o fantasma se move

[44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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