Crítica | FestivalDestaque

Dinheiro Fácil

A revolução anônima

(Dumb Money, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia, Drama
  • Direção: Craig Gillespie
  • Roteiro: Lauren Schuker Blum, Rebecca Angelo
  • Elenco: Paul Dano, Seth Rogen, Pete Davidson, America Ferrera, Anthony Ramos, Vincent D'Onofrio, Nick Offerman, Shailene Woodley, Talia Ryder, Myha'la Herrold, Sebastian Stan, Clancy Brown, Kate Burton, Dane DeHaan, Olivia Thirlby, Larry Owens, Rushi Kota
  • Duração: 101 minutos

Não me importo do mundo se encher de filhotes de A Grande Aposta, levando em consideração que aquele é um filme excelente sobre algo que não faz muito sentido virar narrativa cinematográfica. O responsável por isso foi a crise econômica de 2008, que afetou tanta gente que era impossível deixar passar em branco tudo o que veio posterior a ela – ou seja, a falta de dinheiro crônica que pegou todos os setores de assalto, em diferentes graus, lógico. Dinheiro Fácil é um título a pegar carona naquele desenvolvimento narrativo, no melhor esquema “olha, nem todo mundo vai entender… o que fazer então?” A saída, aqui, não é apelar para explicações didáticas e correlações com a cultura pop, como fez Adam McKay. Se a ousadia é maior, também são maiores os riscos. 

Craig Gillespie é um cara que já foi percebido, e nem é de agora. Em seu currículo não faltam merecidos elogios: A Garota Ideal, Horas Decisivas e Eu, Tonya trouxeram um grau de respeitabilidade acima da média, e seus resultados já criaram respaldo ao seu nome. Há dois anos, o fenômeno Cruella chamou muito mais atenção do que se imaginaria, e isso permitiu que Dinheiro Fácil pudesse sair do papel com toda a complexidade que engloba um projeto como esse. De comunicação visual compreendida, vide seus títulos anteriores, seu novo filme nos atrai muito pela forma com que essa ideia é materializada, através de uma montagem muito atraente, que nos captura para o campo narrativo desde o primeiro momento.  

O roteiro de Lauren Schuker Blum e Rebecca Angelo não tenta atrair público com uma proposta que facilite a entrada do mesmo, na verdade parece existir o avesso dessa intenção. Nada é paternalizado para que o público habite aquele universo de bolsa de valores, das regras em como suas ordens se aplicam e de como seus investidores, grandes ou pequenos, se movimentam para a compra e venda de ações. A história real ocorrida no auge da pandemia, entre 2020 e 2021, expõe outras formas de entrar em seu campo de ação, ao olhar para o público comum afetado pelo fenômeno da GameStop. Sem perder de vista os tubarões, é o coração do peixe pequeno que fará o roteiro ser comprado pelo espectador. 

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O filme tem uma dinâmica bacana de introduzir os personagens, colocando em tela quando cada um tem em conta. Depois dos tipos da casa dos bilhões, vemos Keith Gill, em tese o menor peixe do aquário e protagonista do filme. Sua conta: 97 mil dólares. Na mesma hora, me irritei… é sério que o filme estava querendo dizer que esse era o pobre? Se eu mostrar minha conta para esses produtores, eles entendem o quanto considerar esse cara um desvalido é ofensivo? Mas o filme nos dá a primeira rasteira, e vai mostrando peixes ainda menores que ele… onde a conta corrente está no negativo em casa de milhar. A partir desse momento, Dinheiro Fácil deixa claro que é a essas pessoas que o filme deve focar, porque elas foram as principais derrotadas pelo que aconteceu. 

A coisa mais potente a ser mostrada por Dinheiro Fácil é a ascensão definitiva das pessoas que não tem voz, e que a internet jogou holofote. Após A Rede Social, poderíamos esperar que o cinema fosse abordar em suas ideias esse grupo de pessoas que viveram à margem da sociedade durante gerações; as pessoas sem qualquer poder, sem qualquer influência em narrativas, tanto no individual quanto em seus coletivos. Porque a chegada da rede mundial de computadores para as casas das pessoas e a descoberta cada vez maior de que os 15 minutos de fama de Andy Warhol hoje se acumulam por anos e anos (sabendo administrar) colocou no centro da discussão o completo desconhecido. A pessoa que não é ator, cantor, político, jornalista, ou seja, que não trabalhou para alcançar um status midiático e hoje domina as mídias; hoje, a ideia de um completo desconhecido é cada vez mais obsoleta. 

Com a já citada montagem impressionante de Kirk Baxter (vencedor do Oscar justamente por A Rede Social, e também por Millennium), Dinheiro Fácil mostra que essa gradação entre quem você é hoje, e quem você pode vir a ser, é um conceito efêmero, assim como essa idéia da fama hoje. Keith Gill, por exemplo – vivido pelo mais uma vez brilhante Paul Dano, esse cara há 20 anos atrás, seria mais um estadunidense. Hoje, com o advento de exposições maciças da imagem (Instagram, TikTok, e mais tudo que ainda surgirá), o anonimato é praticamente escolhido. De uma hora pra outra, um completo estranho pode estar protagonizando a próxima novela, sem ter estudado para tal. Nenhum dos peixes minúsculos do filme chega a ser alguém, mas todos eles estão interconectados por esse mesmo cara comum, um nerd que entende de finanças e que atende por Gato Feroz. 

Dinâmico e interessado mais em cada um de seus personagens do que nas jogadas financeiras armadas por eles (que passam a interessar justamente pelo lugar onde podem colocar cada um), o problema de Dinheiro Fácil é que esse grupo é muito grande. Em seu elenco formidável, todos importam, o que significa que todos têm a mesma atenção e o mesmo tempo de tela – ou seja, é tempo insuficiente para que sejam aproveitados. Atores como Shailene Woodley, Sebastian Stan, Dane DeHaan, Olivia Thirlby praticamente não tem personalidade definido, mas um risco em tela; salvaram-se porque são atores acima da média, que seguram o pouco que recebem. Na ânsia de falar de todas as etapas da pirâmide, no que nada mais é do que uma grande pirâmide do passado, o filme deixa seu brilho ser ofuscado pela ausência de tempo, ou pelo excesso de pretensão. 

Um grande momento

Keith e seu irmão brigam no carro

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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