Em quatro dias, a maior temporada de premiações americana da História estará encerrando sua fase inicial, que é sempre a mais longa, mais excitante, mais divertida, mais larga, e que particularmente, mais me agrada. Dia 15 próximo, na segunda feira vindoura, as indicações ao Oscar sairão, e daqui até o dia 25 de abril — data da premiação das estatuetas douradas, que ainda nem sabemos oficialmente se será on-line ou presencial — restarão apenas 40 dias. Ainda que o Globo de Ouro e o Critics Choice já tenham anunciado seus vencedores em festas, digamos, acanhadas sem a presença de astros e estrelas no palco, a fase final da temporada começa após os indicados da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas Americana, a partir de terça.
A pandemia do COVID-19 provocou essa corrida gigante, um período que geralmente já é longo (mais ou menos 6 meses, de setembro até fevereiro), porém que esse ano ultrapassou todos os limites do tempo, porque a corrida começou no mesmo setembro porém acabará em abril, com críticos, jornalistas, artistas e provavelmente até acadêmicos muito cansados, de debater sobre um mesmo grupo de filmes.
Essa semana, além dos premiados do Critics Choice (que, a cada dia que passa, mais parece uma gincana de tentativa de adivinhação do que o Oscar fará, e muito pouco uma grife de identidade), também tivemos os indicados do Sindicato dos Produtores, dos Diretores, dos Fotógrafos e o BAFTA, a versão britânica dos prêmios da Academia; esses 5 dias que os separam das indicações do dia 15 serão de contagem dos votos acadêmicos. Portanto, o que resta agora é esperar, conjecturar, analisar toda a corrida e chegar a conclusões que estarão parcialmente certas, e parcialmente equivocadas – e, se dependermos da categoria de atriz coadjuvante, poderemos estar absolutamente no lugar errado, mesmo que façamos muitas combinações.
Então o que pode ser dito da corrida, a essa altura? Que a indústria e a crítica, mais uma vez, estão travando uma batalha final e que seus representantes são respectivamente Os 7 de Chicago e Nomadland, a essa altura, são mais do que sabidos por todos; anualmente esse embate acontece, às vezes privilegiando um lado (Parasita sobre 1917), às vezes o outro (Green Book sobre Roma). A curiosidade deste ano é que esses dois candidatos tem mais ambiguidade do que poderíamos supor.
A consagração de Chloé Zhao, cineasta sino-americana que encantou o mundo há dois anos com Domando o Destino, é uma conquista crítica feminina, de um cinema social com profunda relevância e tratamento estético próximo a exigência que a intelligentsia procura, mas também é um filme que furou o cerco da pandemia e teve sua estreia caracterizada como cinematográfica, ainda que a essa altura a Hulu (streaming parceira da Disney, nova dona da eterna 20th Century Fox, que o estúdio do Mickey comprou e loteou) já o tenha jogado no balaio do home video; ou seja, Nomadland também é um filme necessário à indústria. E eu nem citei Os Eternos, próxima empreitada de Chloé, O Filme da Marvel de 2021…
No outro canto do ringue, o drama de tribunal baseado em eventos verídicos de Aaron Sorkin é a pedida mais tradicional possível para a ala mais tradicional possível dos votantes, aqueles que acham O Discurso do Rei melhor que A Rede Social e que escolheram Uma Mente Brilhante no lugar de Assassinato em Gosford Park. Com uma pegada clássica-narrativa das mais evidentes, o filme é daqueles títulos que costumamos dizer “não desagrada ninguém”, a não ser os contrários a obras quadradas. Porém… Os 7 de Chicago tem a grife Netflix, o conglomerado de onde o Oscar quer e eventualmente fugiu nos últimos anos, quando negou Scorsese e Alfonso Cuarón. Ou seja, muita gente nem deve vê-lo como uma “produção típica do cinema” – o que, venhamos hoje, é uma tremenda bobagem. Tem muitos motivos para Os 7 de Chicago perder o Oscar, e esse não deveria ser um deles.
Na reta final, mais uma família coreana parece assombrar a competição americana por prêmios de cinema. Após Parasita, um filme essencialmente americano sobre os laços de um grupo familiar da Coreia do Sul em jornada pelo american dream nos rincões da América do Norte, pode ser o fiel da balança. Minari: Em Busca da Felicidade encantou o público e a crítica e pode ser uma opção de consenso numa disputa acirrada entre os dois filmes já citados, que encontram aqui uma voz que acolhe os lados tanto artísticos quanto convencionais.
Longe da seara principal, três nomes parecem carimbados para o Olimpo, a onipresente Chloé Zhao, Daniel Kaluuya e o onipresente Chadwick Boseman, que se unirá a Peter Finch (Rede de Intrigas) e Heath Ledger (Batman: O Cavaleiro das Trevas) com o terceiro Oscar de interpretação póstumo em 93 anos, com sua despedida das telas em A Voz Suprema do Blues em uma performance definitivamente marcante, tão forte quanto a de Kaluuya e seu inesquecível Fred Hampton de Judas e o Messias Negro.
Já entre as atrizes, a dinâmica é diferente, onde o favoritismo se espalha por um grupo de mulheres em um ano que as elevou em todos os espaços onde elas se incluíram. O grupo de protagonista está praticamente fechado em Carey Mulligan (Bela Vingança), Viola Davis (A Voz Suprema do Blues), Frances McDormand (Nomadland), Vanessa Kirby (Pieces of a Woman) e a aquisição final de Andra Day (Os Estados Unidos vs. Billie Holliday). A última recebeu um surpreendente Globo de Ouro, e a primeira um esperado Critics Choice, equilibrando uma corrida onde Andra não concorre ao SAG ou BAFTA, que também não indicou a britânica; logo as vencedoras serão umas das outras, o que deve provocar um equilíbrio de vencedoras e tornar o favoritismo ao Oscar menos óbvio.
Equilíbrio é justamente o que passa ao largo da categoria de atriz coadjuvante, uma das disputas mais imprevisíveis do Oscar nos últimos anos. Contando com um quadro de possíveis indicadas que somam pelo menos sete nomes, nem um provável favoritismo pode ser sequer cogitado. Vejamos: Maria Bakalova (Borat: Fita de Cinema Seguinte) pode ganhar o Oscar ou nem ser indicada; Yeo-Jeong Yoon (Minari) pode ganhar o Oscar ou nem ser indicada; Glenn Close (Era uma Vez um Sonho) pode ganhar o Oscar ou nem ser indicada; Jodie Foster (The Mauritanian) pode ganhar o Oscar ou nem ser indicada… isso sem contar Olivia Colman (Meu Pai), Amanda Seyfried (Mank), Helena Zengel (Relatos do Mundo), todas foram indicadas a um ou mais dos prêmios televisionados. Ou seja, a sorte nunca foi lançada a tantas concorrentes.
No mais, existiram duas narrativas sendo contadas para essa temporada. A mais óbvia e mais imediata é o corpo racial exposto tantas vezes, em filmes que se comunicam tanto, por diretores negros de diferentes origens, histórias e tempos de carreira, que vão do veterano Spike Lee (Destacamento Blood) até a estreante Regina King (Uma Noite em Miami…), passando por Shaka King e George C. Wolfe, em um ano tão representativo pelas tragédias de George Floyd e do próprio Boseman, impondo essa narrativa de maneira implacável — todos os quatro filmes parecem capazes de serem indicados a inúmeras indicações.
A segunda narrativa foi a já citada pandemia, que causou na indústria cinematográfica uma retração como nunca vista antes e uma reavaliação de prioridades em contextos de premiação, providencialmente abrindo os braços para produções não-lançadas em salas comerciais e causando um aquecimento das plataformas Netflix e Amazon Prime, especialmente, mas até a Hulu deve conseguir alguma indicação. Com isso, as possibilidades de uma premiação na categoria principal a uma delas pareceria possível sem o ranger de dentes que O Irlandês e Roma encontraram em anos anteriores. Mas será quer qualquer uma dessas histórias prevalecerá, em uma temporada tão longa e cansativa, onde tantas mudanças podem ocorrer já normalmente?
A próxima segunda-feira, como todo dia de indicações ao Oscar, trará um número de certezas já muito claras, como a presença de Chloé Zhao em inúmeras categorias (a diretora pode vir a ter 4 indicações só em seu nome), uma diversidade na categoria de direção nunca vista anteriormente, um grupo de atores indicados também muito diverso em nacionalidade e raça, um grupo de mulheres muito evidente fora das categorias de atuação, entre outras. Porém o grupo de indicações surpresas pode igualmente ser enorme, talvez garantindo um programa ainda mais interessante do que a própria premiação em si.
Esse grupo de indicados, em ano tão atípico, já será especial por si só, ao sobreviver a adversidades e a inúmeras ondas de favoritismo constantes que movem qualquer temporada, mas é provável que o impacto que os melhores profissionais da temporada de 2020 no cinema americano sejam um grupo especial também por exemplificar como poucos um grupo mutante de pensamentos e lugares, tornando o evento da próxima segunda um evento que provará como o anúncio das indicações de um grupo de indicados merece ter mais relevância que a revelação dos vitoriosos.