- Gênero: Documentário
- Direção: André Luis Garcia
- Roteiro: André Luis Garcia, Calvin Furtado, Luciano Piccoli
- Duração: 71 minutos
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A sinopse: um jovem aluno de uma escola morre acidentalmente, e a partir desse evento, o ambiente onde ele estava passa a ser assolado por acontecimentos inexplicáveis. É dessa forma que entramos em Itatira, novo filme do diretor André Luis Garcia, que há dois anos atrás ganhou o prêmio de melhor documentário no Festival de Gramado com Anhangabaú, e que também foi roteirista de filmes como Geografia Afetiva e o excepcional Cidades Fantasmas, de Tyrell Spencer. Essa apresentação não é por acaso, porque isso forma o artista que ele é, onde uma sinopse como essa provavelmente não diria nada a respeito do que iremos ver, uma obra que não se aproxima em nada do que imaginamos.
Acredite, em Itatira a expectativa frustrada (de alguma forma) é um dos elementos que movem nossa relação com a obra, que nos desafia a organizar nossa relação com as imagens de uma maneira pouco usual. O cinema brasileiro de longa metragem é pouco afeito a investigações imagéticas desse porte, que parece se aproximar mais do que faz um cineasta como Carlos Reygadas. A contemplação é uma maneira de aderir ao que está sendo contado, e configurar nossas sinapses para outro registro de cinema, vez por outra, é necessário. Dessa feita, não é sadio esperar de qualquer obra que nossas angústias sejam saciadas; o filme aqui não corrobora esse tipo de paternalismo, e paga o preço por tal.
Mas Garcia tem um ponto no que está sendo conduzido. O que acompanhamos ao longo da duração de Itatira são explicações táteis em relação ao que é descrito. O autor vê a abstração em cena a partir de um registro naturalista, e não sobrenatural. Em determinado momento, a seguinte frase é dita: “no sobrenatural, cabe também o natural”, e essa é a chave que o filme encampa. Por trás das tentativas coletivas de encontrar uma explicação calcada no extracampo, o filme busca no que o rodeia as mais simples deduções. Como se só precisássemos nos atentar ao que sempre esteve ali, o filme mapeia o interior do Ceará onde se encontra a cidade-título para seguir uma investigação sensorial sobre acontecimentos que deveriam ser vistos com mais normalidade do que são.
Antes de qualquer dado concreto (ou coisa que o valha), Garcia nos mergulha no que sempre esteve a par dos acontecidos: a própria Itatira, suas particularidades geográficas e sua atmosfera. Nada é descrito, tudo é sentido – plano a plano, o filme se organiza dessa forma menos discursiva, e mesmo quando o discurso enfim começa, a preparação nos deixou conectados a outra inquietação. Assim, Itatira passa a não ser sobre as reportagens e a invasão criminosa que a cidade sofreu, mas sobre a manutenção daquele trauma antes, durante e depois do que as câmeras propuseram. Passa a querer registrar os mesmos danos a componentes exteriores ao que as falas dizem, buscando as respostas na História, e ouvindo os personagens como um complemento.
Aos poucos, a História de Itatira, a ambiência de um lugar pacato e devassado por sua beleza natural, os laços que a cidade comporta com suas cavernas e registros rupestres acabam fortalecendo uma consciência na produção. O que reverbera de Itatira passa a não ser mais o desconhecido e misterioso, mas o que pode ser facilmente identificável, para o bem e para o mal. Como a vocação à violência contra a mulher, que não está somente no que é apresentado como tal, mas em práticas continuamente machistas que surgem não apenas no corpo da mulher, mas muito antes do que qualquer responsabilidade faria surgir.
Convergir todos os assuntos que Itatira acopla ao seu discurso poderia ser uma dificuldade extra a produção, mas Garcia é hábil em promover esse encontro. A montagem assinada por ele e Mari Moraga transforma essa ideia curiosa em sentença fantasmagórica, mas não exatamente pelos motivos esperados. Porque trata-se de uma ideia ancestral de libertação feminina e desocupação de espaços onde os homens parecem ser os difusores da informação, vide seus espaços de poder – quem cura, quem documenta, são homens no poder. Em algum momento, a ancestralidade de gêneros também virá cobrar um preço pelas violências que nunca cessam.
Um grande momento
A escolha por não mostrar as vítimas