Crítica | Festival

Desvío de Noche

Segurando pela mão

(Desvío de Noche , CAN, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Experimental
  • Direção: Ariane Falardeau St-Amour, Paul Chotel
  • Roteiro: Ariane Falardeau St-Amour, Paul Chotel
  • Elenco: Abdallah Toauïmia, Ricardo Flores Aguirre, Martine Francke, Marie Brassard
  • Duração: 90 minutos

Uma das primeiras frases ditas em Desvío de Noche, em cartaz no Olhar de Cinema 2023, é “os desejos são secretos”. Ela não se relaciona exatamente ao corpo e suas apropriações do querer e sim de sua materialização enquanto promessa, o que não deixa de abrigar nas entrelinhas todas as formas de desejo, e isso se encaminha por essa produção atmosférica canadense, porém filmada e desenvolvida através de uma paisagem no México. É mais um título que parte de uma busca por respostas escondidas, mas que aqui está ainda mais soterrada que em Neirud. Valentina Martínez desapareceu misteriosamente, e a tentativa de contactar essa história e suas muitas possibilidades de verdade costuram tal mistério. 

Mais um olhar feminino no festival, ainda que acompanhado, o filme imagina uma miríade de camadas para dar conta desse impulso inicial, encontrar uma atleta da patinação no gelo que, no auge de sua forma, resolveu não deixar vestígios sobre sua existência. Uma carta de amor é a única pista de um contato possível, mas indo até a região onde nasceu e cresceu essa personagem, a jornalista que segue essa mulher embarca em uma realidade de brumas ao tentar sanar suas dúvidas. Desvío de Noche segue essa personagem do qual só conhecemos a voz, mas que entra em contato não apenas com quem foi Valentina, mas com a ambientação que a fez parte dessa mítica em torno de desaparecer e criar para si um lugar do simbólico. 

Nesse sentido, essa busca tem mais apropriação de espaço e de ação que o outro filme visto ontem, A Migração Silenciosa, que tateia nesse lugar sem nunca corporificar essa atmosfera. A cargo de Ariane Falardeau St-Amour e Paul Chotel, as imagens de Desvío de Noche acompanham a narrativa no mergulho pela sugestão, e no apreço pela continuidade da dúvida. É corajoso, acima de tudo, que em tempos imediatistas, cineastas tenham coragem (é preciso utilizar o termo certo, que é esse) de encampar uma visão que aprecie o símbolo, e deixem o público fazer as escolhas pelos caminhos que intencionam seguir. Os autores são apenas vetores de imagens, que podem e serão decodificadas ao bel prazer e à bagagem (cinematográfica e emocional) de quem se aventurar. 

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O encontro dessa jornalista com a vila de pescadores, seu percurso até Armando, e a forma singela com que a direção conduz essa empreitada, sempre da maneira mais sensorial possível, é uma porta de entrada para o terreno da experimentação. O que atravanca um pouco a fruição não é toda essa tentativa, mas a forma como o filme ainda incorre nos processos narrativos para delimitar o que a imaginação não demanda. É como se o roteiro entendesse a capacidade de fabulação como um processo do qual uma muleta é necessária para se constituir algum entendimento, e o espectador sempre parece refém de uma estrutura mínima que não faz sentido dentro da ideia completa de imersão. 

Desvío de Noche consegue a sedução que almeja, esteticamente, e alguma instância até narrativamente; tudo o que vemos é interessante o suficiente para nos prender até o fim da produção, com resultados interessantes. O que embaça a experiência é a forma como isso é apresentado, que intercala as duas situações, sem decidir se o filme deixa o público livre para escolher como embarcar ou se serve como apoio para seu instigante material. Na dúvida entre os lados no qual equilibrar, seus dois diretores optam por realizar as duas coisas, e o resultado é o que vemos – falta coragem para invadir por completo o campo do onírico. O que vemos então é um filme que não sai da memória, mas cujas imagens falam sozinhas. 

Um grande momento
O primeiro diálogo do filme

[12º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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